Por Peter Amsterdam
Junho 18, 2025
Na segunda metade do capítulo 11, Paulo aborda outra questão relacionada ao culto coletivo: como os coríntios celebravam a Ceia do Senhor.
Entretanto, nisto que vou dizer não os elogio, pois as reuniões de vocês mais fazem mal do que bem (1 Coríntios 11:17).
Anteriormente, Paulo havia começado com palavras de louvor, mas agora afirma: “não os elogio”. Ele não os enaltece em nada, mas os repreende pelas práticas relacionadas às reuniões e ao culto público. Paulo não os condena completamente, já que antes os havia elogiado por manterem muitos de seus ensinamentos sobre o culto (1 Coríntios 11:2), mas explicita que os danos causados por esses momentos de adoração superavam os benefícios.
Qual a razão de uma condenação tão dura? Os coríntios estavam corrompendo uma das cerimônias mais sagradas do culto cristão: a Ceia do Senhor. Não estavam honrando devidamente a Cristo, nem uns aos outros, quando participavam da Ceia.
Em primeiro lugar, ouço que, quando vocês se reúnem como igreja, há divisões entre vocês, e até certo ponto eu o creio(1 Coríntios 11:18).
Paulo inicia seu argumento com “em primeiro lugar”, mas não prossegue para um segundo ou terceiro ponto. Isso deve ser entendido como: “a principal maneira pela qual isso acontece é a seguinte”. Ele também acrescenta “ouço que”. Paulo não revela a fonte, mas anteriormente, nesta carta, afirmou que membros da casa de Cloé haviam relatado questões semelhantes (1 Coríntios 1:10–12). Ainda que não pudesse verificar a acusação, Paulo conhecia aquela igreja bem o suficiente para entender que os relatos eram, pelo menos em parte, verdadeiros.
Paulo já havia abordado as divisões entre os coríntios nos capítulos 1 a 4. Aqui, sua crítica se concentra nas divisões que surgiam quando a igreja se reunia. Sua maior preocupação era que esse partidarismo comprometesse o culto público.
Pois é necessário que haja divergências entre vocês, para que sejam conhecidos quais entre vocês são aprovados (1 Coríntios 11:19).
Há duas interpretações para esse versículo. Segundo uma, algumas divisões podem ser fazer necessárias, pois a igreja inclui tanto crentes verdadeiros quanto pessoas que apenas professam a fé de forma falsa. Assim, é necessário que os verdadeiros crentes se destaquem, rejeitando as falsas doutrinas, para que fique claro quem tem a aprovação de Deus. Essa visão é apoiada pelo fato de que a palavra original (hairesis) traduzida como “divergências”, na NVI e “heresias” na NTLH, não é a mesma usada traduzida como divisões (schisma).
Por outro lado, Paulo não afirmou explicitamente que aprovava essas divergências. Talvez estivesse sendo sarcástico, tratando as diferenças como parte das divisões. As divisões são claramente negativas, assim como as divergências também podem ser. Por isso, ele diz: “nisto que vou dizer não os elogio” (v. 17).
Divergências causadas pelo pecado podem explicar por que alguns membros da igreja passavam fome, como Paulo logo mencionará. Os pobres talvez não fossem considerados “aprovados”, e quem sabe até fossem vistos como “descartáveis”.
Quando vocês se reúnem, não é para comer a ceia do Senhor (1 Coríntios 11:20).
Aqui Paulo introduz a questão principal. Quando os cristãos coríntios se reuniam para celebrar a Ceia do Senhor, as divisões eram tão graves que o que faziam não podia ser chamado de Ceia do Senhor. (Embora hoje esse termo seja comum para o ato da comunhão, ou eucaristia, este versículo é o único no Novo Testamento que usa a expressão “Ceia do Senhor”.)
Porque cada um come sua própria ceia sem esperar pelos outros. Assim, enquanto um fica com fome, outro se embriaga (1 Coríntios 11:21).
Paulo descreve o que havia sido relatado: ao comerem, faziam-no sem esperar os demais. A expressão “cada um come sua própria ceia” pode ser entendida como: “cada um come a sua refeição”. Paulo parece estar explicando que aquilo não era a Ceia do Senhor porque cada um estava centrado em si mesmo. Alguns chegavam a ponto de se embriagar, justamente em uma celebração que deveria relembrar o sacrifício de Jesus.
Será que vocês não têm casa onde comer e beber? Ou desprezam a igreja de Deus e humilham os que nada têm? Que direi? Eu os elogiarei por isso? Certamente que não! (1 Coríntios 11:22).
Paulo os corrige com perguntas retóricas. Primeiro, questiona se eles não têm casa onde comerem e beberem, como quem diz: “Se for para agir assim, é melhor que façam isso em casa”. Ele se opõe à discriminação dos pobres. Os coríntios estavam criando distinções sociais entre ricos e pobres justamente durante a Ceia. Isso perturbava profundamente Paulo, que fala com firmeza contra tal conduta.
Segundo, ele denuncia que ao humilharem os pobres, demonstravam desprezo pela igreja de Deus. A igreja é composta por pessoas de todas as classes e etnias, iguais perante Deus. Quando os pobres são excluídos da Ceia, a santidade dessa cerimônia é desonrada. Como parte essencial da comunidade, os pobres não podem ser discriminados sem que isso represente um desprezo à própria igreja.
Terceiro, Paulo pergunta se os ricos estavam tentando humilhar os que nada possuíam. Naquela época, os pobres eram frequentemente humilhados pelos ricos. Contudo, Jesus ensinou que “Bem-aventurados são vocês os pobres, pois a vocês pertence o Reino de Deus” (Lucas 6:20). O Senhor também alertou os ricos sobre os perigos de sua posição social (Marcos 10:25). Em Corinto, além de não possuírem bens materiais, os pobres também tinham sua dignidade roubada — e tudo isso durante a Ceia do Senhor. Em tom irônico, Paulo pergunta se deveria elogiá-los por esse comportamento. E ele mesmo responde: “Certamente que não!”.
Pois recebi do Senhor o que também entreguei a vocês: Que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão e, tendo dado graças, partiu-o e disse: “Isto é o meu corpo, que é dado em favor de vocês; façam isto em memória de mim” (1 Coríntios 11:23,24).
Paulo prossegue lembrando os coríntios dos ensinamentos que já lhes havia transmitido a respeito da Ceia do Senhor. A expressão “lhes transmiti” era usada pelos rabinos da época para indicar a transmissão oficial de tradições religiosas sagradas. Essa passagem contrasta com o elogio anterior de Paulo aos coríntios por guardarem os ensinamentos que ele lhes havia “transmitido” (1 Coríntios 11:2). Quanto à Ceia do Senhor, eles sabiam como ela deveria ser celebrada, mas falharam em aplicar corretamente esse ensinamento.
O fato de não obedecerem ao que Paulo ensinara era preocupante, pois ele não havia inventado a Ceia — apenas transmitira o que recebera do Senhor. Paulo não explica exatamente como recebeu esse ensinamento: pode tê-lo obtido dos outros apóstolos (Gálatas 1:18) ou diretamente de Cristo durante seu tempo na Arábia (Gálatas 1:15–17).
Paulo então explica, de forma clara, como devem celebrar a Ceia do Senhor, relatando como Ele próprio a conduziu na noite em que foi traído. Ele apresenta quatro ações: Jesus tomou o pão, deu graças, partiu-o e declarou: “Isto é o meu corpo, que é dado em favor de vocês”.
A palavra “pão” também pode ser traduzida como “um único pão” ou “um pão inteiro”. É provável que Jesus tenha usado um único pão para simbolizar a unidade entre os que participam da Ceia. Ele deu graças e o partiu. Era comum os anfitriões partirem o pão para os convidados, como Jesus fez ao alimentar os cinco mil (Marcos 6:41; João 6:11), quando explicou aos Seus discípulos o significado simbólico do pão.
Paulo destaca três declarações de Jesus. A primeira: “Isto é o meu corpo”. Essa frase gerou controvérsia ao longo da história da igreja. A tradição católica romana interpreta esse trecho de forma literal, entendendo que, durante a comunhão, o pão e o vinho tornam-se o corpo e o sangue reais de Cristo — doutrina conhecida como “transubstanciação”.
A tradição luterana defende a “consubstanciação”: o corpo e o sangue de Cristo estão presentes nos elementos, mas as substâncias físicas não se alteram. A maioria dos protestantes acredita que Cristo está presente espiritualmente na Ceia, e que os elementos são símbolos de Seu corpo e sangue. Essa passagem, assim como os relatos nos Evangelhos, não esclarece isso, mas Jesus nos assegura: “Pois onde se reunirem dois ou três em meu nome, ali eu estou no meio deles” (Mateus 18:20).
A segunda declaração: “que é dado em favor de vocês”. Cristo sofreu e morreu na cruz por amor aos outros. Sua expiação é oferecida a todos, disponível àqueles que se voltam para Ele com fé e arrependimento (1 João 1:9–2:2). Porém, nesta declaração, Jesus especifica que entregou Sua vida por um grupo em particular — Seus seguidores. Seu sofrimento pagou o preço pelos pecados apenas dos que creem nEle como Senhor e Salvador.
A terceira: “Façam isto em memória de mim”. A Ceia foi instituída como um momento para o povo de Deus lembrar-se da morte e ressurreição de Jesus. A última refeição de Jesus com os apóstolos ocorreu no contexto de Sua traição, prisão e morte iminente1. Ao partir e compartilhar o pão, recordamos o sofrimento de Cristo por nós.
Esse chamado à lembrança aparece novamente quando se menciona o sangue de Cristo no versículo seguinte.
Da mesma forma, depois da ceia ele tomou o cálice e disse: “Este cálice é a nova aliança no meu sangue; façam isto sempre que o beberem em memória de mim” (1 Coríntios 11:25).
Paulo volta-se agora ao cálice, observando que Jesus o tomou “da mesma forma”, indicando que também houve uma bênção dedicada para ele. Paulo repete a declaração feita sobre o pão: “Façam isto... em memória de mim”. Assim, destaca que a lembrança e reverência por Cristo eram o centro da cerimônia da Ceia.
O relato de Paulo ecoa o de Lucas, que também se refere ao cálice como “a nova aliança no meu sangue” (Lucas 22:17–20). A expressão “nova aliança” vem de Jeremias 31:31, onde se descreve um novo acordo que Deus faria com o remanescente de Seu povo, baseado no perdão dos pecados e com a lei escrita nos corações. O Novo Testamento recebe seu nome justamente dessa nova aliança, estabelecida pela vida, morte e ressurreição de Jesus — o cumprimento da promessa.
Porque, sempre que comerem deste pão e beberem deste cálice, vocês anunciam a morte do Senhor até que ele venha (1 Coríntios 11:26).
Por que os atos de comer e beber na Ceia devem lembrar Cristo? Porque, ao participar da Ceia, os cristãos anunciam a morte do Senhor até que Ele volte. Quando os descrentes observam a igreja celebrando a comunhão, lembrando-se do sacrifício de Jesus que deu a vida por nós, a mensagem do evangelho é proclamada. A expressão “a morte do Senhor” representa a obra total da salvação em favor da igreja: a vida, morte, ressurreição e ascensão de Cristo.
Portanto, todo aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente será culpado de pecar contra o corpo e o sangue do Senhor (1 Coríntios 11:27).
Participar da Ceia do Senhor “indignamente” é cometer pecado contra o corpo e o sangue de Cristo. Tradicionalmente, isso foi interpretado como participar da Ceia com pecados não confessos. De certo modo, todos somos indignos, pois ninguém é plenamente digno. Ainda assim, é importante que o crente confesse seus pecados e se prepare, mas Paulo estava tratando aqui de algo mais específico: a indignidade à qual se referia era uma igreja que não estava unida em Cristo para celebrar a Ceia do Senhor.
Examine-se cada um a si mesmo e então coma do pão e beba do cálice. Pois quem come e bebe sem discernir o corpo do Senhor come e bebe para sua própria condenação (1 Coríntios 11:28–29)
Para não incorrerem em pecados, os crentes devem “examinar” suas intenções e atitudes antes de participar da Ceia, para que estejam alinhados aos ensinamentos de Cristo. A razão desse autoexame é que a participação sem reverência ou discernimento sobre o sacrifício de Cristo traz condenação sobre a própria pessoa.
Paulo deu essa instrução para corrigir um problema específico. De forma geral, a Ceia deve ser um momento de celebração, em que os crentes se concentram no sacrifício de Cristo, na unidade da fé e na proclamação do Evangelho. O foco deve estar em Cristo e nos outros — não em si mesmo. É na preparação para a Ceia que a introspecção deve ocorrer, para garantir que se está participando de forma digna.
Por isso há entre vocês muitos fracos e doentes, e vários já dormiram (1 Coríntios 11:30).
Paulo continua enfatizando a seriedade de se violar a Ceia do Senhor, apontando que muitos coríntios estavam sendo punidos por Deus por meio de fraqueza, doenças e, em alguns casos, até a morte. É importante lembrar que enfermidades e morte nem sempre são consequência direta do pecado pessoal e acontecem com crentes e descrentes por diversas razões.2 No entanto, neste caso específico, Paulo afirma que estavam sendo disciplinados pelo Senhor.
Mas, se nós tivéssemos o cuidado de examinar a nós mesmos, não receberíamos juízo. Quando, porém, somos julgados pelo Senhor, estamos sendo disciplinados para que não sejamos condenados com o mundo (1 Coríntios 11:31–32).
Paulo acrescenta que, se os coríntios fizessem esse autoexame com sinceridade antes de participarem da Ceia e mudassem suas ações, Deus não os castigaria com doenças e morte. Então lembra aos coríntios que ser castigado por Deus não é o mesmo que ser condenado por Ele, pois Deus corrige aqueles a quem ama (Hebreus 12:5–11). Ele disciplina a igreja para que os crentes despertem, se arrependam e voltem a Cristo para não serem condenados juntamente com o mundo.
Portanto, meus irmãos, quando vocês se reunirem para a Ceia do Senhor, esperem uns pelos outros. E, se alguém estiver com fome, que coma em casa, para que Deus não castigue vocês por causa dessas reuniões. Os outros assuntos eu resolverei quando chegar aí (1 Coríntios 11:33,34 - NTLH).
Paulo conclui com uma síntese e orientações finais, tratando-os carinhosamente como irmãos. A primeira orientação, “esperem uns pelos outros”, mostra que, no contexto dos coríntios, a Ceia era parte de uma refeição. Ele enfatiza que todos devem participar igualmente, aguardando a chegada de todos antes de comer. Se alguns chegassem cedo, deveriam esperar até que outros chegassem antes de comer. Em vez de os ricos comerem primeiro e os pobres ficarem sem nada, todos na celebração deveriam comer ao mesmo tempo. Isso mostraria a devida honra aos pobres e, portanto, a Cristo.
Em segundo lugar, Paulo recomenda que, se alguém estiver com fome, deve comer em casa. Ele não repreende os pobres por chegarem com fome à Ceia, pois isso era inevitável para eles. Mas adverte aos que tinham condições para se alimentarem antes, para que todos comessem juntos na celebração da Ceia do Senhor.
Paulo aborda aspectos fundamentais da Ceia do Senhor e da maneira de participarmos dela. A celebração da comunhão é uma proclamação da morte de Jesus e de Seu sacrifício por nossa redenção, devendo ser observada com reverência e adoração. Ele também realça a unidade que esse momento representa para a igreja, o corpo de Cristo. No entanto, Paulo sabia que os coríntios ainda precisavam de mais instruções sobre o assunto, as quais prometeu dar pessoalmente em sua próxima visita.
Nota
A menos que indicado o contrário, todas as Escrituras foram extraídas da Bíblia Sagrada — Tradução Nova Versão Internacional (NVI).
1 Veja Mateus 26:17–29; Marcos 14:12–25; Lucas 22:7–20.
2 Veja Jó 2:1–7; João 9:2–3; Romanos 8:36.
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