Por Peter Amsterdam
Junho 10, 2014
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A parábola do rico insensato é uma das três que discutiremos em segmentos consecutivos de As histórias que Jesus contou, todas relacionadas com riquezas e bens. Essas parábolas não são os únicos ensinamentos de Jesus sobre o tema, seu uso ou mau uso, mas são três situações em que recorreu a parábolas para ensinar a esse respeito. Após a parábola “O Rico Insensato” trataremos da “O Rico e Lázaro” e da “Administrador Injusto.”
O 12º capítulo de Lucas começa com Jesus ensinando aos Seus discípulos e a quem o pudesse ouvir da multidão de muitos milhares que ali estava. Em um dado momento, alguém se dirige a Ele.
Disse-lhe um homem da multidão: “Mestre, dize a meu irmão que reparta comigo a herança.” Mas Jesus lhe disse: “Homem, quem Me pôs a Mim por juiz ou repartidor entre vós?”[1]
Não seria fora do comum alguém pedir a um mestre (termo sinônimo de rabino, usado no Evangelho segundo Lucas) que arbitrasse uma disputa legal como a apresentada. Os rabinos eram especialistas nas leis de Moisés e costumavam dar pareceres legais sobre questões assim. No caso apresentado a Jesus, é possível que o pai do pleiteante houvesse morrido sem deixar um testamento, escrito ou oral, o que deu lugar à disputa entre os irmãos. O homem que pediu a intervenção de Jesus provavelmente era o mais jovem e a herança incluía terras que não poderiam ser divididas sem a concordância do irmão mais velho que, possivelmente, preferia que a área permanecesse inteira e que ambos trabalhassem nela juntos, como era o costume. Contudo, aparentemente descontente com essa opção e o mais novo exigiu que Jesus dissesse ao outro herdeiro para repartir o bem.[2]
A resposta de Jesus foi um tanto brusca e poderia indicar certo desprazer: “Homem, quem Me pôs a mim por juiz ou repartidor entre vós?” O pedido feito não foi de arbítrio ou mediação, que Jesus promovesse a reconciliação ou ajudasse os irmãos a fazer as pazes. O interesse do queixoso era que Jesus tomasse o seu partido e dissesse ao outro para repartir a herdade. De certa forma, tenta usar o que percebe ser a influência da posição de rabino ou mestre que Jesus detinha para pressionar o irmão. Muito provavelmente, o Senhor preferia que os dois restabelecessem sua relação a dividirem a propriedade, e que se lembrassem da sabedoria ensinada em Salmo 133:1:
Quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em união![3]
Jesus então diz:
Acautelai-vos e guardai-vos da avareza; a vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele possui.[4]
Com essa frase, advertiu a todos os presentes contra todo tipo de avareza — o desejo desordenado ou insaciável para acumular mais. Em vez de discutir quem estaria certo ou errado na situação, Jesus chama a atenção para os perigos da avareza. A solução capaz de trazer cura e restauração entre os dois irmãos não residia na divisão da herança, mas no fim da mesquinharia, do egoísmo do coração.
Jesus então conta a parábola do rico insensato, a qual, para entendermos completamente, ajuda considerar que as Escrituras ensinam que Deus criou todas as coisas, que, em última análise, tudo Lhe pertence e que somos mordomos ou administradores do que Ele nos confiou. Lemos em Salmo 24:1:
Do Senhor é a terra e a sua plenitude, o mundo e todos os que nele habitam.[5]
Kenneth Bailey escreveu:
O conceito bíblico é que somos administradores de todos os nossos bens e responsáveis perante Deus do que fazemos com eles, mas, por outro lado, o Novo Testamento afirma a legitimidade da propriedade privada. Pedro confrontou o casal Ananias e Safira em Atos 5:1–11 por terem falsamente afirmado terem dedicado seus bens a Deus, quando a verdade era outra. O pecado foi a mentira, não a retenção da propriedade. Os cristãos são chamados para serem mordomos dos bens privados e de toda a terra. A parábola do rico insensato encerra uma das principais lições de nosso Senhor sobre o assunto e conta a história de um homem que não reconheceu que prestaria contas a Deus pelas coisas que possuía.[6]
Em resposta ao pedido do homem para que dividisse a terra e para ilustrar seus comentários sobre a avareza e o apego aos bens materiais, Jesus contou esta parábola:
O campo de um homem rico produziu com abundância.Então ele arrazoava consigo mesmo, dizendo: “Que farei? Não tenho onde recolher os meus frutos.” E disse: “Farei isto: Derrubarei os meus celeiros, e edificarei outros maiores, e aí recolherei todo o meu produto e todos os meus bens. Então direi à minha alma: ‘Alma, tens em depósito muitos bens para muitos anos. Descansa, come, bebe e folga.’” Mas Deus lhe disse: “Louco, esta noite te pedirão a tua alma. Então o que tens preparado, para quem será?” Assim é aquele que para si ajunta tesouros e não é rico para com Deus.[7]
Vemos aqui que o homem já era rico e que suas terras haviam produzido uma supersafra. Foi provavelmente um daqueles anos em que a quantidade de chuva e sol tinha sido perfeita. Nada sugere que ele tenha trabalhado mais do que nos outros anos para que a terra produzisse tremendo excedente, a ponto de lhe faltar espaço em seus celeiros.
Tudo indica que não lhe ocorre que a abundância seria a bênção de Deus ou que Ele fosse, de fato, o dono das searas, da terra e, diga-se de passagem, de tudo que o homem possuía. A história relata seu diálogo consigo mesmo sobre o que fazer com toda a colheita, no qual fala de “minhas” terras, “meus” produtos, “meus” celeiros, “minha” alma… sem fazer qualquer menção de Deus ou de Suas bênçãos. Em sua mente, tudo lhe pertencia e não planejava de forma alguma usar aquela abundância para beneficiar os outros ou glorificar Deus. Em vez disso, diz para si mesmo: “Farei isto: Derrubarei os meus celeiros, e edificarei outros maiores, e aí recolherei todo o meu produto e todos os meus bens.”
Aquele homem rico, ganancioso e egoísta, apesar de já ter tanto, planeja estocar a safra em celeiros novos e maiores, para garantir sua situação financeira futura, por muitos anos. Diz para si próprio: “Alma, tens em depósito muitos bens para muitos anos. Descansa, come, bebe e folga.”
O Livro de Eclesiastes fala de comer, comer, beber e alegrar-se,[8] mas também nos lembra que Deus nos deu os dias de nossas vidas e que a Ele pertencem,[9] algo que Jesus deixa muito claro na próxima parte da parábola:
Mas Deus lhe disse: “Louco, esta noite te pedirão a tua alma. Então o que tens preparado, para quem será?”
Jesus chama o homem de louco (tolo ou néscio, em algumas traduções). Os que ouviam a história provavelmente se lembraram do versículo no Livro dos Salmos que diz:
Diz o néscio no seu coração: “Não há Deus.”[10]
A palavra néscio é usada no Antigo Testamento para se referir a alguém que se recusa reconhecer sua dependência de Deus.[11] O homem rico é chamado de néscio ou louco por ter excluído Deus da situação. Vê seus bens materiais como a segurança do seu futuro. Em sua mente, se sua situação financeira estiver equacionada, então seu futuro estará resolvido. Ele pode comer, beber e se alegrar. O que poderia dar errado?
O homem rico não está levando em consideração que foi Deus quem lhe concedera a abundância nem que é a Ele que deve a própria vida. As palavras em grego traduzidas para esta noite te pedirão a tua alma remetem à linguagem relacionada ao pagamento de um empréstimo.[12] O fim da vida daquele homem é como o dia de quitação de um empréstimo, o que mostra quão sem propósito e tolos haviam sido seus planos. Seus bens não lhe garantiam nenhuma segurança real.
Tiago ensinou algo similar em sua epístola:
E agora, vós que dizeis: “Hoje ou amanhã iremos a tal cidade, lá passaremos um ano, negociaremos e ganharemos.” Ora, não sabeis o que acontecerá amanhã. O que é a vossa vida? É um vapor que aparece por um pouco, e logo se desvanece. Em lugar disso, devíeis dizer: “Se o Senhor quiser, viveremos e faremos isto ou aquilo.”[13]
O homem rico não incluiu Deus na equação. Na sua maneira de pensar, tudo, inclusive sua vida, lhe pertencia, mas Jesus estava ensinando que tudo é nosso, de certa forma, por empréstimo e que tudo a Deus pertence. O fazendeiro estava traçando seu futuro sem levar em consideração Deus nem seu plano e autoridade sobre sua vida.
Jesus faz então uma pergunta provocadora:
Então o que tens preparado, para quem será?
Os que ouviam a história possivelmente se lembraram dos dizeres dos livros Eclesiastes e Salmos:
Odiei todo o meu trabalho, em que trabalhei debaixo do sol, visto que eu havia de deixá-lo ao homem que viesse depois de mim. Quem sabe se será ele sábio ou tolo? Contudo, ele se apossará de todo o meu trabalho em que trabalhei, e em que me houve sabiamente debaixo do sol. Isto também é vaidade.[14]
Não temas, quando alguém se enriquece, quando a glória da sua casa aumenta; pois quando morrer, nada levará consigo, nem a sua glória o acompanhará. Ainda que durante a vida ele se tenha considerado feliz, e os homens o louvem quando prospera, irá ter com a geração de seus pais, que jamais verá a luz da vida. O homem que possui riquezas sem entendimento é semelhante aos animais que perecem.[15]
Com diz o ditado, desta vida nada se leva. Na morte, deixa-se para trás toda riqueza física, que nenhum valor tem para seu antigo dono. Jesus resume todo o princípio na frase com a qual encerra a parábola:
Assim é aquele que para si ajunta tesouros, e não é rico para com Deus.[16]
O que acumula para si tesouros é como o rico insensato. De que maneira? É chamado de louco por ser rico? Não. A mensagem não é um ataque à riquezas, mas contra o uso indevido dos recursos e sobre o erro de não levar Deus em conta.[17] O rico insensato viu a bênção de uma colheita farta como um meio para prover para si mesmo prazer e segurança. Pensou apenas em si próprio, no seu futuro e no seu bem-estar. Não considerou que talvez Deus lhe tivesse concedido aquele bônus por uma razão maior que seus desejos egoístas, como, por exemplo, ajudar os pobres e necessitados.
A conclusão da parábola fala de ser rico para com Deus. O que isso quer dizer? Nos versículos após a história, Jesus ensina sobre confiar nossas vidas e necessidades a Deus. Explica que se Deus alimenta as aves que não estocam em armazém ou celeiros e se veste os lírios do campo, certamente cuidará de nós. Ele diz que devemos depositar em Deus nossa confiança, buscar Seu reino e que Ele cuidará de nós. Ao fazer essas coisas — confiar em Deus, buscá-lO e fazer Sua vontade — estamos conseguindo para nós mesmos sacos de dinheiros que não vão envelhecer e um tesouro no céu que não nos faltará.[18] A mensagem é que devemos juntar nosso tesouro no céu. Somos ricos para com Deus quando O reconhecemos, atendemos aos Seus pedidos, vivemos em conformidade com Seus ensinamentos e procuramos fazer Sua vontade.
A parábola fala com todos nós. Precisamos de recursos para viver e é sensato economizar para o futuro, se for possível. Não há nada inerentemente errado em ter bens e muito dinheiro. As riquezas em si não são ruins, mas quem as tem se veem às voltas de desafios espirituais, a exemplo do rico sovina da parábola. As Escrituras ensinam a não confiar nas riquezas[19] e Jesus nos advertiu como os cuidados do mundo e o engano das riquezas podem sufocar a Palavra.[20] São desafios tão difíceis que Jesus disse: “Em verdade vos digo que é difícil entrar um rico no reino dos céus.”[21] O problema não estava nas riquezas, mas que o coração do homem estava com seu tesouro e não com Deus. Ele não era rico para com Ele nem estava acumulando seu tesouro no céu, mas avaramente apegando-se à sua abundância sem levar em conta Deus ou as pessoas que poderiam precisar daqueles recursos.
E quanto a nós? Reconhecemos que tudo que temos pertence, na verdade, a Deus? Se for assim, consultamos o Senhor no que diz respeito à gestão de nossas finanças? Nós Lhe agradecemos e O louvamos por suprir nossas necessidades? Quando Ele nos abençoa financeiramente, procuramos abençoar os outros em necessidade? Bendizemos a Deus ao dar a Ele por meio de nossos dízimos e ofertas?
Como disse o grande evangelista Oswald J. Smith:
[A pergunta não é] quanto do meu dinheiro dou a Deus, mas com quanto do dinheiro de Deus fico para mim.” Dallas Willard declarou: “Frugalidade é uma disciplina mas também uma virtude cristã. É importante notar, contudo, que muitos problemas surgem não do fato dos bens que temos, mas de como os usamos.[22]
Independentemente de nossa situação financeira, podemos ser como o rico insensato. Ele não era avaro por ser rico. Independentemente de quanto tenhamos, podemos ceder à avareza se nos concentrarmos no que temos ou mesmo no que nos falta, a ponto de excluirmos Deus de nossas vidas, de pararmos de confiar nEle, pararmos de segui-lO e nos afastarmos do entendimento de que somos chamados para sermos ricos para com Ele, para armazenarmos tesouros no céu.
Vamos aprender a envolver Deus em cada aspecto de nossas vidas, inclusive na administração de nossos bens e recursos financeiros, com os quais Ele nos abençoou. Busquemos Deus para obter Sua orientação quando ao uso das bênçãos que Ele nos deu e que possamos refletir Sua natureza e Seu caráter no uso de nossos bens materiais, tanto nas nossas vidas quanto em nosso serviço para Ele. Que todos sejamos ricos para com Deus.
13 Disse-lhe um homem da multidão: Mestre, dize a meu irmão que reparta comigo a herança.
14 Mas Jesus lhe disse: Homem, quem me pôs a mim por juiz ou repartidor entre vós?
15 Então lhes disse: Acautelai-vos e guardai-vos da avareza; a vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele possui.
16 E propôs-lhes esta parábola: O campo de um homem rico produziu com abundância.
17 Então ele arrazoava consigo mesmo, dizendo: Que farei? Não tenho onde recolher os meus frutos.
18 E disse: Farei isto: Derrubarei os meus celeiros, e edificarei outros maiores, e aí recolherei todo o meu produto e todos os meus bens.
19 Então direi à minha alma: Alma, tens em depósito muitos bens para muitos anos. Descansa, come, bebe e folga.
20 Mas Deus lhe disse: Louco, esta noite te pedirão a tua alma. Então o que tens preparado, para quem será?
21 Assim é aquele que para si ajunta tesouros, e não é rico para com Deus.
A menos que indicado ao contrário, todas as referências às Escrituras foram extraídas da “Bíblia Sagrada” — Tradução de João Ferreira de Almeida — Edição Contemporânea, Copyright © 1990, por Editora Vida.
[1] Lucas 12:13–14.
[2] Kenneth E. Bailey, Jesus Through Middle Eastern Eyes (Downers Grove: InterVarsity Press, 2008), 300.
[3] Salmo 133:1 NA.
[4] Lucas 12:15.
[5] Salmo 24:1.
Salmo 50:12: Se Eu tivesse fome, não te diria, pois Meu é o mundo e tudo o que nele há.
Salmo 89:11: Teus são os céus, e tua é a terra; o mundo e a sua plenitude tu os fundaste.
[6] Bailey, Middle Eastern Eyes, 298.
[7] Lucas 12:16–21.
[8] Eclesiastes 8:15: Então exaltei a alegria, porque o homem nenhuma coisa melhor tem debaixo do sol do que comer, beber e alegrar-se. Então a alegria o acompanhará no seu trabalho nos dias da sua vida que Deus lhe dá debaixo do sol.
[9] Eclesiastes 9:9: Goza a vida com a mulher que amas, todos os dias de vida da tua vaidade, os quais Deus te deu debaixo do sol, todos os dias da tua vaidade. Porque esta é a tua porção nesta vida, e do teu trabalho, que tu fazes debaixo do sol.
[10] Salmo 14:1.
[11] Arland J. Hultgren, The Parables of Jesus (Grand Rapids: William B. Eerdmans Publishing Company, 2000), 107.
[12] Kenneth E. Bailey, Through Peasant Eyes (Grand Rapids: William B. Eerdmans Publishing Company, 1980), 67.
[13] Tiago 4:13–15.
[14] Eclesiastes 2:18–19.
[15] Salmo 49:16–20.
[16] Lucas 12:21.
[17] Craig L. Blomberg, Interpreting the Parables (Downers Grove: InterVarsity Press, 1990), 226.
[18] Lucas 12:22–34.
[19] Provérbios 11:28; 1 Timóteo 6:17.
[20] Mateus 13:22.
[21] Mateus 19:23.
[22] Dallas Willard, The Spirit of the Disciplines (HarperOne, 1988), 194.
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