As Histórias que Jesus Contou: O Servo Fiel e o Infiel, Mateus 24:44–51

Por Peter Amsterdam

Fevereiro 6, 2018

[The Stories Jesus Told: The Faithful and Unfaithful Servant, Matthew 24:44–51]

A parábola do servo fiel e infiel é contada por dois evangelistas: Mateus e Lucas. As duas versões são muito similares, apresentando pequenas variações. Escolhemos para este estudo a versão encontrada no 24º capítulo de Mateus.

O contexto da parábola é Jesus falando aos Seus discípulos pouco antes de ser preso e crucificado. Estavam no Monte das Oliveiras, longe do público, quando os discípulos Lhe pediram:

Dize-nos quando acontecerão estas coisas, e que sinal haverá da tua vinda e do fim dos tempos.[1]

Jesus então passou a falar de acontecimentos futuros, dentre os quais Sua volta:

Então aparecerá no céu o sinal do Filho do homem, com poder e grande glória.[2]

Então contou a parábola, tendo como pano de fundo Sua volta, chamada de parousia pela maioria dos estudiosos.

Jesus disse aos Seus seguidores que ninguém sabe quando se dará Sua parousia:

A respeito daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, mas unicamente o Pai.[3]

Jesus também advertiu os crentes a se prepararem para aquele dia:

Por isso estai vós também apercebidos, porque o Filho do homem há de vir à hora em que não penseis.[4]

Ele então contou uma parábola que enfatiza a importância de vivermos de forma a nos prepararmos e estarmos prontos, a qualquer momento, para a parousia. Ele estabelece o contrataste entre duas atitudes conflitantes, duas escolhas que os crentes podem fazer.

Assim começou a parábola:

Quem é, pois, o servo fiel e prudente a quem o Senhor constituiu sobre a sua casa, para dar o sustento a seu tempo? Bem-aventurado aquele servo a quem o Senhor, quando vier, achar servindo assim. Em verdade vos digo que lhe confiará todos os seus bens.[5]

Aqui lemos de um servo[6] incumbido de cuidar dos bens de seu mestre durante a ausência deste. Para isso, recebeu autoridade sobre todos os demais trabalhadores e a responsabilidade de administrar a propriedade da maneira correta. Parece que a esse servo foi concedida uma grande responsabilidade. O servo não se atenta a quando ocorrerá a volta do mestre, pois é uma informação que em nada afeta seu trabalho, mas simplesmente cumpre seus deveres diligentemente. Por isso, será grandemente reconhecido quando seu mestre retornar e, mais do que isso, será promovido à posição de administrador, responsável por todos os bens de seu mestre.

Depois de nos ser dado o cenário de um servo que, com honradez, cumpriu suas obrigações, é-nos mostrado o que poderia acontecer se a escolha do servo tivesse sido outra e as respectivas consequências de suas decisões.

Porém, se aquele servo for mau e disser consigo: O meu senhor tarde virá, e começar a espancar os seus conservos, e a comer e a beber com os ébrios, virá o senhor daquele servo num dia em que o não espera, e à hora em que ele não sabe, e castigá-lo-á, e lhe dará a sorte dos hipócritas. Ali haverá choro e ranger de dentes.[7]

Nesta passagem, vemos que o servo tem um conflito interno, algo comum nas parábolas no Evangelho segundo Lucas,[8] mas é uma exceção no Evangelho segundo Mateus. O mestre se ausentara e por alguma razão não voltou quando previsto, o que o servo interpretou como licença para agir impunemente. Entendeu que sua condição de supervisor o eximia de ter de prestar conta aos outros e o blindava das consequências de seus atos. Passa a agir como se o mestre jamais voltaria e como se jamais tivesse de dar conta de suas decisões. Passa a agir com injustiça e deixa com que a autoridade provisória que lhe fora conferida lhe subisse à cabeça, pelo que passa a tratar os outros servos com crueldade e violência. Aquele homem perdera o senso de decoro e comportamento adequado, e se separou dos seus pares, como se pode deduzir da frase que conta que passou a comer e beber com ébrios.

Então volta o mestre —sem aviso prévio— e encontra o servo totalmente despreparado. De alguma forma, o servo perdeu de vista o fato de que a ausência prolongada do mestre não significava que não mais voltaria. Pois voltou, julgou e condenou o servo pelas suas ações, pela sua má gestão, pela dureza e maldade com que tratou os outros.

Segundo algumas traduções da Bíblia, o servo é “cortado ao meio” o que sem dúvida é uma punição extrema. Alguns comentaristas entendem significar que o homem foi cortado da convivência com as pessoas, referindo-se ao convívio com os demais crentes, pelo que passa a viver com “os hipócritas”. Outros entendem se tratar de uma metáfora, como quando se ameaça alguém de “lhe tirar o couro”, ou frases similares. Há também os que entendam se tratar apenas de um castigo severo. A palavra grega no texto é usada em outras passagens nas Escrituras para expressar o desmembramento de animais em rituais de sacrifício. No Livro de Jeremias, encontramos o termo quando Deus fala do castigo que seria aplicado a alguns em Israel:

Entregarei os homens que violaram a minha aliança, que não cumpriram as palavras da aliança que fizeram diante de mim, tratá-los-ei como o bezerro que dividiram em duas partes, e então passaram pelo meio das duas porções.[9]

Como defendem muitos comentaristas, não se trata de uma metáfora, mas de uma punição brutal, usada para chocar os ouvintes de forma que escolham fazer as decisões certas.

A expressão lhe dará a sorte dos hipócritas no Evangelho segundo Mateus equivale em Lucas a lhe dará a sua parte com os infiéis.[10] É possível que Mateus ser referiu a “hipócritas” porque, ao longo do Evangelho por ele escrito, em particular no capítulo 23, os hipócritas tenham recebido uma condenação severa. A palavra neste contexto provavelmente parece ser um termo geral para todos os que fazem oposição a Deus. Choro e ranger de dentes expressa dor profunda e forte emoção. A expressão é usada sete vezes no Novo Testamento, mas aparece apenas nessa passagem no Evangelho segundo Mateus, referindo-se àqueles que rejeitaram Deus e são excluídos de Suas bênçãos no Tempo do Fim.

Há duas intepretações do significado dessa parábola ou a quem se dirige. Para alguns, é uma mensagem para os que detêm a liderança na igreja, pois foi contada aos discípulos, que se tornariam líderes da primeira igreja. Um autor explica:

Ao dizer que um escravo estava encarregado da propriedade e enfatizar a importância de cuidar dos demais durante a ausência do mestre, o texto ensina que os líderes da igreja devem cuidar corretamente da comunidade entre a ascensão de Jesus Cristo e Sua parousia. Esse cuidado adequado se traduz em um ministério de proclamação e ensinamentos.[11]

O servo que escolheu o caminho de liderança e se portou indevidamente equivale à liderança da igreja que age com egoísmo. As palavras do profeta Ezequiel oferecem uma visão clara desse tipo de líder:

Ai dos pastores de Israel que se apascentam a si mesmos! Não apascentarão os pastores as ovelhas? Comeis a gordura, vestis-vos de lã, e degolais o cevado, mas não apascentais as ovelhas. A fraca não fortalecestes, a doente não curastes, a quebrada não ligastes, a desgarrada não tornastes a trazer e a perdida não buscastes, mas dominais sobre elas com rigor e dureza.[12]

Para outros estudiosos, a parábola fala aos cristãos em geral e não apenas aos que ocupam posições de liderança. Apresenta dois estilos de vida contrastantes no que diz respeito à fé. Existe a opção de sermos como o primeiro servo que diligentemente realiza seu trabalho. Sem se importar com a data de retorno de seu mestre, faz o que lhe fora pedido, de forma que o mestre o encontra pronto em seu retorno.

A segunda opção é ter a atitude do servo infiel, que trata o retorno do mestre como algo tão distante no futuro que não vê razão de se preocupar com o fato. Contudo, o mestre voltou e houve um acerto de contas.

Apesar de poder parecer se tratar de dois homens diferentes — um que faz escolhas certas e outro que toma decisões erradas —, a parábola diz respeito a apenas um servo diante de duas escolhas. A implicação é que cada crente deve escolher. Seremos fiéis ao Senhor? Praticaremos Seus ensinamentos? Estaremos prontos para a Sua volta, seja lá quando isso aconteça, ou quando nossas vidas terminarem? Ou cultivaremos a atitude do servo que viveu como se não houvesse contas a serem prestadas, mas, descobre que suas responsabilidades lhe serão cobradas?[13] Obviamente, a escolha certa é a primeira — escolher fundamentar nossas vidas nos ensinamentos de Jesus, ter um relacionamento saudável com Deus, amar a Ele e os outros. Ao viver corretamente, seremos abençoados no presente e em toda eternidade.


O Servo Fiel e Infiel, Mateus 24:44–51

44 Por isso estai vós também apercebidos, porque o Filho do homem há de vir à hora em que não penseis.

45 “Quem é, pois, o servo fiel e prudente a quem o Senhor constituiu sobre a sua casa, para dar o sustento a seu tempo?

46 Bem-aventurado aquele servo a quem o Senhor, quando vier, achar servindo assim.

47 Em verdade vos digo que lhe confiará todos os seus bens.

48 Porém, se aquele servo for mau e disser consigo: ‘O meu senhor tarde virá,’

49 e começar a espancar os seus conservos, e a comer e a beber com os ébrios,

50 irá o senhor daquele servo num dia em que o não espera, e à hora em que ele não sabe

51 e castigá-lo-á, e lhe dará a sorte dos hipócritas. Ali haverá choro e ranger de dentes.”


Nota

A menos que indicado o contrário, todas as referências às Escrituras foram extraídas da “Bíblia Sagrada” — Tradução de João Ferreira de Almeida — Edição Contemporânea, Copyright © 1990, por Editora Vida.


[1] Mateus 24:3.

[2] Mateus 24:30.

[3] Mateus 24:36.

[4] Mateus 24:44.

[5] Mateus 24:45–47.

[6] Ou escravo — ambas as traduções são corretas para a palavra grega doulos.

[7] Mateus 24:48–51.

[8] O Rico Insensato, Lucas 12:16–21; o Filho Pródigo, Lucas 15:11–32; O Administrador Injusto, Lucas 16:1–9.

[9] Jeremias 34:18.

[10] Lucas 12:46.

[11] Arland J. Hultgren, The Parables of Jesus (Grand Rapids: William B. Eerdmans Publishing Company, 2000), 162.

[12] Ezequiel 34:2–4.

[13] De modo que cada um de nós dará conta de si mesmo a Deus (Romanos 14:12).

 

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