O Credo (Parte 1)

Por Peter Amsterdam

Março 31, 2020

[The Creed (Part 1)]

(Pontos usados neste artigo foram tirados do livro O Credo, escrito por Luke Timothy Johnson.[1])

Ao longo da história cristã, várias declarações encapsularam as crenças fundamentais da fé cristã em declarações relativamente curtas, geralmente conhecidas como credos. A palavra vem do latim credo, que significa “acredito”. Os credos, também chamados de confissões de fé ou símbolos de fé, expressão de maneira resumida e formal as crenças básicas ou essenciais de uma denominação específica, ou, em alguns casos, do cristianismo em geral.

O foco desta curta série será o credo comumente conhecido como o Credo Niceno, escrito em 325 d.C. no Primeiro Concílio de Nicéia e revisado no Primeiro Concílio de Constantinopla, em 381 d.C. O nome formal desse credo é o Credo Niceno-Constantinopolitano. É um credo ecumênico, que significa que se concentra nas crenças a respeito de Deus, o Pai, Jesus, e o Espírito Santo, que são aceitas como verdadeiras por todos os cristãos. Como tal, pode ser recitado por todos os cristãos e é aceito pelas igrejas católica romana, ortodoxa oriental e protestante.

A base do credo é encontrada na proclamação do Antigo Testamento por Moisés, conhecida como Shemá:

“Ouve, ó Israel: O Senhor nosso Deus é o único Senhor.”[2]

Esta foi a declaração de fé fundamental do povo judeu. Que existe apenas um Deus também está claramente declarado no Novo Testamento. Quando perguntaram a Jesus qual mandamento era mais importante de todos, Ele declarou:

“O principal de todos os mandamentos é: Ouve, ó Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor! Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de todas as tuas forças.”[3]

No livro de Tiago, lemos:

Crês tu que Deus é um só? Fazes bem! Os demônios também o creem, e estremecem.[4]

Por causa da vida, morte e ressurreição de Jesus, tornou-se necessário que os primeiros discípulos, todos judeus, alterassem sua compreensão de Deus. Eles viram os milagres de Jesus, ouviram Seus ensinamentos, testemunharam Sua morte e depois O viram novamente vivo, e isso lhes mudou a compreensão de quem Ele era.

Jesus ressuscitando dos mortos foi um evento de mudança de vida para os crentes, que as Escrituras descrevem como tendo se tornado uma nova criação.

Assim que daqui por diante a ninguém conhecemos segundo a carne. Ainda que tenhamos conhecido a Cristo segundo a carne, contudo agora já não o conhecemos deste modo. Portanto, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram, tudo se fez novo.[5]

Em Cristo Jesus nem a circuncisão nem a incircuncisão tem valor algum, mas sim o ser uma nova criatura.[6]

Após a ressurreição e ascensão de Jesus ao céu, os crentes que se tornaram novas criações começaram a entender que Jesus era Cristo, Senhor e Filho de Deus. Esse entendimento da divindade de Jesus causou uma separação do sistema de crenças judaicas.

Se os seguidores de Jesus apenas o considerassem “o Cristo”,[7] que significa o ungido, o “Messias”, eles provavelmente não teriam enfrentado a oposição e perseguição do judaísmo. Em vez disso, Seus seguidores teriam sido vistos como um movimento messiânico dentro do judaísmo, ainda que fracassado, por causa da crucificação de Jesus.

A convicção que separava os primeiros cristãos dos seus colegas judeus era que Jesus é o Senhor. Os cristãos estavam aplicando o nome SENHOR, que no judaísmo era reservado exclusivamente ao Deus de Israel, a Jesus, que aos olhos da liderança judaica era um criminoso condenado e crucificado.

Se com a tua boca confessares a Jesus como Senhor, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo.[8]

Pelo que Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu um nome que é sobre todo o nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Cristo Jesus é o Senhor, para glória de Deus Pai.[9]

Em outras passagens, o apóstolo Paulo declara:

Pois ainda que haja alguns que se chamem deuses, quer no céu, quer na terra, como há muitos deuses e muitos senhores, todavia, para nós há um só Deus, o Pai, de quem é tudo e para quem nós vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós também por ele.[10]

Paulo defende a supremacia do Pai como Deus único, o Criador. No entanto, ele também expressa o status de Jesus e Sua função de uma maneira que aponta tanto para a igualdade quanto para a subordinação a Deus. Ele atribui o nome “Deus” ao Pai e “Senhor” a Jesus, reconhecendo a divindade a ambos.

Depois de reconhecer Jesus como Cristo e Senhor, Paulo fala de Jesus como o Filho de Deus, à luz de Sua ressurreição.

Acerca de seu Filho, que nasceu da descendência de Davi segundo a carne, e foi declarado Filho de Deus com poder, segundo o Espírito de santidade, pela ressurreição dos mortos, Jesus Cristo, nosso Senhor.[11]

Paulo também cita as palavras do Salmo 2:7:

Como também está escrito no salmo segundo: Tu és Meu filho, hoje Te gerei.[12]

No livro de Gálatas, o apóstolo se refere a Deus que envia Seu Filho e ao Espírito de Seu Filho.

Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam debaixo da lei, a fim de recebermos a adoção de filhos. Porque sois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai.[13]

Aqui, o Espírito é reconhecido como diferente de Deus, o Pai, e do Filho.

Em outras passagens, Paulo se refere ao Espírito Santo como sendo o Espírito de Deus e o Espírito de Cristo:

Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se é que o Espírito de Deus habita em vós. Mas, se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele. Mas se Cristo está em vós, o corpo, na verdade, está morto por causa do pecado, mas o espírito vive por causa da justiça. Se o Espírito daquele que dentre os mortos ressuscitou a Jesus habita em vós, aquele que dentre os mortos ressuscitou a Cristo Jesus vivificará também os vossos corpos mortais, pelo seu Espírito que em vós habita. De maneira que, irmãos, somos devedores, não à carne para viver segundo a carne. Pois se viverdes segundo a carne, morrereis; mas, se pelo Espírito mortificardes as obras do corpo, vivereis, porque todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. Pois não recebestes o espírito de escravidão para outra vez estardes em temor, mas recebestes o espírito de adoção, pelo qual clamamos: Aba, Pai! O mesmo Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus.[14]

Assim, o Pai é Deus, o Filho é Deus, e o Espírito Santo é Deus. Uma crença central do cristianismo é que existe um Deus e que Ele é trino. Deus tem interação e um relacionamento pessoal entre os diferentes seres dentro do ser de Deus.[15]

Embora o Antigo Testamento não indique especificamente que Deus é trino, há versículos que se referem a Ele.

Chegai-vos a mim, e ouvi isto: Não falei em segredo desde o princípio; desde o tempo em que aquilo se fez eu estava ali, e agora o Senhor Deus me enviou, juntamente com o seu Espírito.[16]

Quem subiu ao céu, e desceu? Quem encerrou os ventos nos seus punhos? Quem amarrou as águas na sua roupa? Quem estabeleceu todas as extremidades da terra? Qual é o seu nome, e qual é o nome de seu filho, se é que o sabes?[17]

Então disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança.[18]

Então disse o Senhor Deus: O homem agora se tornou como um de nós, conhecendo o bem e o mal.[19]

Vinde, desçamos, e confundamos ali a sua linguagem, para que não entenda um a linguagem do outro.[20]

Depois disto ouvi a voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei, e quem há de ir por nós? Então disse eu: Eis-me aqui. Envia-me a mim.[21]

No Novo Testamento, ficou claro o entendimento de que Deus é composto de três seres. Como escrevi em outro artigo:

O entendimento das três pessoas em um Deus se tornou mais claro no Novo Testamento por causa da vida, morte e ressurreição de Jesus, e o derramamento do Espírito Santo sobre os crentes. Os seguidores de Jesus entenderam que Ele era Deus, mas era distinto do Pai, e que o Espírito Santo também era Deus, mas era distinto do Pai e do Filho. Assim, foi nos tempos do Novo Testamento que a verdade da Trindade se desenrolou e foi revelada.[22]

No segundo século, Inácio, bispo de Antioquia, escreveu várias cartas para as igrejas na Ásia Menor e em Roma. Em uma dela, lemos:

Seja surdo, portanto, sempre que alguém falar com você para além de Jesus Cristo, que é do grupo de Davi, que é de Maria, que realmente nasceu, comeu e bebeu, foi verdadeiramente perseguido por Pôncio Pilatos, foi verdadeiramente crucificado e morreu à vista dos seres do céu, da terra e do submundo, e ressuscitado dentre os mortos.[23]

Ele deu detalhes históricos sobre Jesus, como citar Davi, Maria e Pôncio Pilatos, e enfatizou que Jesus nasceu de verdade, comia e bebia, que foi perseguido e morreu, para enfatizar que Jesus compartilhava plenamente da condição humana.

Outro antigo texto cristão, a Primeira Apologia 61 de Justino Mártir, afirma que os crentes recebem o batismo “Em nome de Deus, o Pai e Senhor do universo, e de nosso Salvador Jesus Cristo, e do Espírito Santo”. Então, quando a pessoa é levada à água batismal, “pronuncia-se sobre aquele que escolhe nascer de novo e se arrependeu de seu pecado, o nome de Deus Pai e Senhor do universo.” Quando entraram na água, os outros nomes foram invocados: “E em nome de Jesus Cristo, que foi crucificado sob Pôncio Pilatos, e em nome do Espírito Santo, que através dos profetas predisse tudo sobre Jesus, aquele que é iluminado é lavado.” Esse antigo ritual de batismo traz a compreensão de que Deus é “Pai e Senhor do universo”, Jesus é “Salvador” e o Espírito Santo é aquele que “por meio dos profetas predisse todas as coisas”.

O Credo Niceno-Constantinopolitano resume o que a Bíblia ensina sobre a Trindade — Pai, Filho e Espírito Santo. Os artigos subsequentes cobrirão o texto do Credo, frase por frase, mas aqui está o Credo em sua totalidade.[24] (Algumas versões começam com “Eu acredito” em vez de “Nós acreditamos”).

Creio em um Deus,
      Pai Todo-poderoso,
      Criador do céu e da terra,
      e de todas as coisas visíveis e invisíveis;

e em um Senhor Jesus Cristo,
      Filho de Deus,
      o unigênito gerado pelo Pai antes de todos os séculos,
            Deus de Deus,
            Luz da Luz,
            verdadeiro Deus de verdadeiro Deus,
      gerado não feito,
      de uma só substância com o Pai;
      pelo qual todas as coisas foram feitas;
      o qual por nós homens e por nossa salvação,
            desceu dos céus,
            foi feito carne pelo Espírito Santo da Virgem Maria,
            e foi feito homem;
            e foi crucificado por nós sob o poder de Pôncio Pilatos.
            Ele padeceu e foi sepultado;
            e no terceiro dia ressuscitou conforme as Escrituras;
            e subiu ao céu
            e assentou-se à direita do Pai,
            e de novo há de vir com glória
            para julgar os vivos e os mortos,
            e seu reino não terá fim.

E no Espírito Santo,
      Senhor e Vivificador,
      que procede do Pai e do Filho,
      que com o Pai e o Filho conjuntamente é adorado e glorificado,
      que falou através dos profetas.
Creio na Igreja una, universal e apostólica,
      reconheço um só batismo para remissão dos pecados;
      e aguardo a ressurreição dos mortos
      e da vida do mundo vindouro. Amém

(Continua na segunda parte.)


Nota

A menos que indicado o contrário, todas as referências às Escrituras foram extraídas da “Bíblia Sagrada” — Tradução de João Ferreira de Almeida — Edição Contemporânea, Copyright © 2001, por Editora Vida.


[1] The Creed—What Christians Believe and Why It Matters (New York: Doubleday, 2003).

[2] Deuteronômio 6:4.

[3] Marcos 12:29–30.

[4] Tiago 2:19.

[5] 2 Coríntios 5:16–17.

[6] Gálatas 6:15.

[7] Marcos 8:29.

[8] Romanos 10:9.

[9] Filipenses 2:9–11.

[10] 1 Coríntios 8:5–6.

[11] Romanos 1:3–4.

[12] Atos 13:33, citando o Salmo 2:7.

[13] Gálatas 4:4–6.

[14] Romanos 8:9–16.

[15] Veja A Essência de Tudo: A Santíssima Trindade (1ª Parte).

[16] Isaías 48:16.

[17] Provérbios 30:4.

[18] Gênesis 1:26.

[19] Gênesis 3:22.

[20] Gênesis 11:7.

[21] Isaías 6:8.

[22] Veja A Essencia de Tudo: A Santíssima Trindade (1ª Parte).

[23] Carta aos Romanos.

[24] http://www.monergismo.com/textos/credos/credoniceno.htm

 

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