A Essência de Tudo: A Humanidade

Julho 24, 2012

por Peter Amsterdam

A Criação do Homem como Macho e Fêmea

No relato da criação em Gênesis, capítulo 1, os seres humanos foram os últimos a ser criados. O universo e tudo que nele há —Sol, Lua, estrelas, planetas, oceanos, terra, animais, peixes e pássaros— foi criado antes dos humanos. Segundo a Bíblia, Deus criou Adão, o primeiro homem, e, depois, Eva, a primeira mulher. (Nestes ensaios, vamos discutir as questões relacionadas aos seres humanos. A criação de todas as outras coisas será tratada em outros ensaios da série A Essência de Tudo.)

Historicidade de Adão e Eva

No tocante à origem da humanidade, o cristianismo acata o ensinamento bíblico de que Deus criou historicamente o primeiro homem e a primeira mulher. Sem entrar no mérito de que estrutura de tempo Deus pode ter usado na criação do mundo e da humanidade, a história da criação e da existência de Adão e Eva não é vista como seres mitológicos ou recursos literários. Em vez disso, o entendimento cristão é que foram pessoas reais que viveram no contexto da história do mundo.

O Antigo Testamento oferece continuidade e conectividade entre Adão e as demais personagens das Escrituras Hebraicas. Mostra a ligação entre as primeiras gerações de humanos e seus sucessores no contexto histórico do Antigo Testamento. (É possível que essas genealogias não incluam todas as gerações, mas apenas as principais ou mais importantes, o que quer dizer que pode haver decorrido muito mais tempo e existido muitas outras gerações além das relacionadas.) Gênesis 5 descreve as genealogias de Adão a Noé e filhos.[1] Lucas 3 expõe a sucessão genealógica de Adão a Jesus.[2] No Novo Testamento está claramente indicado ser Adão uma personagem histórica.

Assim também está escrito: “O primeiro homem, Adão, foi feito alma vivente; o último Adão, espírito vivificante.”[3]

Primeiro foi formado Adão, depois Eva.[4]

A razão de eu abordar a historicidade de Adão e Eva, e vários outros conceitos neste ensaio, é por serem assuntos ligados ao ingresso do pecado na humanidade. Torna-se então uma ligação importante com o plano de Deus para a salvação por meio de Jesus, o qual é abordado com profundidade em ensaios subsequentes.

Com respeito à historicidade de Adão e Eva, e à narrativa lida em Gênesis, J. I. Packer tece os seguintes comentários:

Apesar de fazer o relato em um estilo de certa forma figurado, o Gênesis nos convida à leitura como um registro histórico. Em Gênesis, Adão está ligado pela genealogia aos patriarcas e, por eles, ao resto da humanidade (capítulos 5, 10, 11), o que torna tão parte da história no sentido tempo-espaço quanto Abraão, Isaque e Jacó. … A afirmação de Paulo de que “todos morrem em Adão” (1 Coríntios 15:22) torna explícito a que Gênesis claramente indica.[5]

Os versículos abaixo falam especificamente da criação do homem e da mulher. Gênesis 1 nos dá uma visão geral, enquanto os capítulos 2 e 5 são mais específicos.

Então disse Deus: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” [...]; Assim Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou.[6]

Formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou-lhe nas narinas o fôlego da vida, e o homem tornou-se alma vivente.[7]

Então o Senhor Deus fez cair um sono pesado sobre o homem, e este adormeceu; tomou, então, uma das suas costelas, e fechou a carne em seu lugar. Então da costela que o Senhor Deus tomou do homem, formou a mulher, e a trouxe ao homem. Disse o homem: “Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; ela será chamada mulher, pois do homem foi tomada.”[8]

No dia em que Deus criou o homem, à semelhança de Deus o fez.  Macho e fêmea os criou; e os abençoou, e os chamou pelo nome de Homem, no dia em que foram criado.[9]

Igualdade, Pluralidade e Terminologia

Homem e mulher, Adão e Eva, foram criados por Deus. Ambos foram criados à imagem e semelhança de Deus e, depois de os criar, Deus nomeou ambos ao mesmo tempo. No passado, era comum usar o termo homem ao se referir ao gênero humano, homens e mulheres. Hoje, isso é menos comum e se preferem as palavras gênero humano e humanidade, por serem neutras do ponto de vista de gênero. Por questões envolvendo os gêneros, é considerado mais apropriado, na maioria dos casos usar humanidade e gênero humano na comunicação escrita ou verbal, e foi o que procurei fazer nesta série e, com algumas exceções, assim procederei. Contudo, na maioria das traduções da Bíblia, os termos homem ainda é usado, com base no fato de que Deus assim denominou o gênero humano, tanto machos quanto fêmeas. Talvez foi uma maneira de Ele expressar a igualdade dos sexos, mesmo que os papéis de cada um, em geral, sejam diferentes.

Como citado acima, em Gênesis 1:26–27 Deus disse: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança … macho e fêmea os criou. Como explicado em A Essência de Tudo: A Santíssima Trindade, Deus existe como pluralidade, a Trindade, três pessoas em uma. Quando criou os primeiros humanos, macho e fêmea, chamou-os de homem. Foram criados com algum grau de pluralidade, similar à maneira como Pai, Filho e Espírito Santo já mantinham uma interação amorosa antes da criação do mundo,[10] Deus criou Adão, Eva e seus descendentes com a capacidade de amar, se comunicarem e interagir em casamento —em que duas pessoas, um homem e uma mulher, se tornam uma carne. Também nos dotou dos meios de manter relacionamentos pessoais intrincados em família, nos círculos de amizade e em comunidades. Esses relacionamentos pessoais demonstram a similaridade ao Deus pessoal e seu relacionamento com a divindade —Pai, Filho e Espírito Santo.

O teólogo Wayne Grudem assim explica:

A unidade interpessoal pode ser especialmente profunda na família humana, assim como na família espiritual, isto é, a igreja. Entre homens e mulheres, a unidade interpessoal atinge, nesta era, sua maior expressão no casamento, em que marido e mulher se tornam, em um sentido, duas pessoas em uma: “Portanto, deixará o homem a seu pai e a sua mãe, e unir-se-á à sua mulher, e serão os dois uma só carne” (Gênesis 2:24). Esta não é apenas uma união física, mas também espiritual e emocional, com dimensões profundas. Um marido e uma mulher, unidos em matrimônio, são pessoas que “Deus uniu.” (Mateus 19:6).

Observa-se aqui certa similaridade. Assim como havia convivência, comunicação e uma glória compartilhada entre os membros da Trindade antes de o mundo ser criado (ver João 17:5, 24), Deus criou Adão e Eva com a capacidade de amar, comunicarem-se e conferirem um ao outro honra no seu relacionamento interpessoal. Com certeza, esse reflexo da Trindade se faz presente de várias maneiras na sociedade humana, mas certamente existe desde o início. na unidade interpessoal do casamento.[11]

Este e exemplo da similaridade entre o homem e Deus, e de sua criação à Sua imagem e semelhança. (O tópico do homem criado à imagem e semelhança de Deus será discutido mais em detalhes no próximo ensaio. Contudo, é importante fazer menção do mesmo nesta discussão da criação do homem como macho e fêmea.)

O fato de Deus haver criado homem e mulher à sua imagem expressa a igualdade entre os dois gêneros. Ambos são igualmente humanos. Como Pai, Filho e Espírito Santo são, igualmente divinos em essência, homem e mulher são igualmente humanos em essência. São iguais em seu valor individual e iguais em importância.

Wayne Grudem expressa da seguinte forma:

Como somos igualmente criados à imagem de Deus, não resta dúvida que homens e mulheres são igualmente importantes para Deus e igualmente valiosos para Ele. Temos diante dEle o mesmo valor por toda a eternidade. O fato de homens e mulheres serem qualificados pelas Escrituras como seres “à imagem de Deus” deveria bastar excluir todos os sentimentos de orgulho, inferioridade e qualquer ideia de que um sexo seria “melhor” ou “pior” que o outro. Mais que nas demais culturas, nenhum cristão deveria se sentir superior por ser homem e nenhuma cristã deveria se sentir inferior por ser mulher. Se Deus nos atribui o mesmo valor, fica a questão encerrada, pois a avaliação de Deus é o verdadeiro padrão para toda eternidade.[12]

Mulheres na Bíblia

Apesar de o Novo Testamento ter sido escrito em um contexto social dominado pelo gênero masculino, ensina a igualdade de homens e mulheres na relação destes com Deus. Um importante exemplo disso é que o Espírito Santo veio igualmente para homens e mulheres.

Nos últimos dias, diz Deus, do meu Espírito derramarei sobre toda a carne. Os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, os vossos jovens terão visões, e os vossos velhos sonharão sonhos. E também do Meu Espírito derramarei sobre os Meus servos e as Minhas servas naqueles dias, e profetizarão.[13]

Tanto Paulo quanto Pedro destacaram que os dons do Espírito Santo são dados a “cada um”, do que se entende que os dois gêneros poderiam recebê-los. Como sabiam e testemunharam que o Espírito era derramado sobre toda a carne, homens e mulheres, fica claro que “cada um” não se refere somente aos homens. É evidente que havia mulheres com dons espirituais nos tempos do Novo Testamento.

Mas um só e o mesmo Espírito opera todas estas coisas, distribuindo particularmente a cada um como quer.[14]

Servi uns aos outros conforme o dom que cada um recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus.[15]

No dia seguinte, partindo dali Paulo, e nós os que com ele estávamos, chegamos a Cesareia. Entrando em casa de Filipe, o evangelista, que era um dos sete, ficamos com ele. Tinha este quatro filhas solteiras que profetizavam.[16]

Em Seus dias na Terra, Jesus fez questão de romper os tabus da sociedade que desfavoreciam as mulheres. Falou com elas em público;[17] conversou a sós com a samaritana;[18] aprovou que a mulher descobrisse os cabelos e O tocasse na casa de Simão, o fariseu;[19] tinha mulheres entre Seus seguidores e discípulos[20] —coisas inaceitáveis na sociedade judaica da época.

Kenneth E. Bailey, autor de Jesus Through Middle Eastern Eyes [Jesus, aos olhos do Oriente Médio], disse o seguinte sobre a interação de Jesus com as mulheres.

A mulher [à beira do poço] se aproximou. Pelos costumes da época, esperava-se que Jesus, ao vê-la, se afastasse educadamente e se mantivesse a uma distância de pelo menos seis metros, indicando que era seguro e culturalmente apropriado que ela se chegasse ao poço. Jesus não saiu de onde estava quando ela chegou … e pediu que Lhe desse água para beber. Com isso, quebrou o tabu social contra conversar com uma mulher, especialmente em um lugar ermo sem nenhuma testemunha ... Na sociedade da vila, um homem não deveria fazer contato visual com uma mulher em um lugar público ... Jesus não apenas conversava com as mulheres, mas as convidava para integrar seu grupo de discípulos, era financiado por elas e algumas viajavam com Ele (Lucas 8:1–3). É impossível descrever a natureza radical das mudanças que Jesus introduziu nas atitudes com respeito às mulheres.[21]

Falando da mulher que lavou os pés de Jesus e os secou com os cabelos, Bailey escreveu:

A mulher descobriu os cabelos e “tocou” Jesus”! Na sociedade médio-oriental, tanto nos dias dos rabinos judaicos quanto nos atuais, uma mulher estava e está obrigada a cobrir os cabelos em público. A Mishná[22] relaciona as ofensas que permitem que um homem se divorcie de sua esposa sem lhe dar um ketubah (compensação financeira). Entre os itens citados, lemos: “Se ela sair com seu cabelo solto, ou rodar na rua, ou falar com qualquer homem.”… Se uma mulher sair com o cabelo solto era capaz de provocar uma tragédia pessoal e financeira, então com certeza era considerado uma ofensa intolerável com consequências medonhas ... Esperava-se que Ele [Jesus] ficasse constrangido quando foi “tocado” pela mulher e chocado por ela expor os cabelos. Todos no ambiente esperavam que Ele instantaneamente a julgasse por esses atos muito fora dos limites do “comportamento aceitável” e a rejeitasse. ... Contudo, para surpresa dos que ali estavam, Jesus permitiu que a cena prosseguisse e aceitou seus gestos.[23]

Paulo ressalta a igualdade entre todas as pessoas, inclusive a de gênero, no contexto da igreja:

Todos vós que fostes batizados em Cristo, vos revestistes de Cristo. Desta forma não há judeu nem grego, não há servo nem livre, não há macho nem fêmea, pois todos vós sois um em Cristo Jesus.[24]

A escritora cristã Amy Orr-Ewing oferece a seguinte observação com respeito à aceitação de Jesus das mulheres e o papel delas na igreja primitiva:

Contrastando com as normas culturais da época, Jesus tinha o hábito de revelar grandes verdades teológicas às mulheres. A primeira pessoa que descobre a verdadeira identidade de Cristo no Evangelho de João é a samaritana que Ele conheceu à beira de um poço. Não devemos subestimar quão radial isso foi. Jesus estava jogando para o alto os tabus culturais, ensinando às mulheres e permitindo que elas fossem Suas discípulas. Na realidade, é evidente que as mulheres desempenhavam um papel importante e ativo no ministério de Jesus, tanto como exemplos por Ele usados em Seus ensinamentos quanto como aprendizes dos mesmos. Enquanto isso é absolutamente comum e apropriado para o contexto do século 21, devemos nos lembrar que isso se deu na Palestina do primeiro século. Jesus foi afirmativo na inclusão das mulheres. Vemos uma continuação disso na igreja primitiva, de Lídia e Tabita, às filhas de Felipe, mulheres que assumiram várias funções. Apesar de que, sim, há duas passagens específicas nos escritos de Paulo que parecem contrariar isso, nas quais determina que as mulheres permaneçam em silêncio e as proíbe de ensinar, esses trechos devem ser lidos e interpretados no contexto amplo da Bíblia. O próprio Paulo dá diretrizes para as mulheres profetizarem publicamente e diz que elas devem ensinar como Priscila [1 Coríntios 11:4–5; Atos 18:24–26].[25]

James Leo Garrett expressa da seguinte forma o valor e o status dados às mulheres na Bíblia:

Apesar de tanto o Antigo quanto o Novo Testamento terem como pano de fundo sociedades patriarcais com ênfase no domínio masculino, a Bíblia oferece amplas evidências da importância das mulheres na história da salvação. No Antigo Testamento, Miriã, Débora e Ester tinham papéis de liderança. A atitude de Jesus com respeito às mulheres pode ser vista em situações como as que envolvem a samaritana adúltera, a mulher com hemorragia, a sírio-fenícia, Maria, Marta e Maria Madalena. As reações das mulheres a Jesus podem ser vistas em Maria, Isabel e Ana. Paulo reconheceu Febe e Priscila como líderes.[26]

Papéis distintos

Como explicado em A Essência de Tudo: A Santíssima Trindade (2ª Parte), mesmo que as três Pessoas da Trindade sejam igualmente Deus, em essência, cada uma delas tem diferentes papéis e funções na Divindade. A diferença em papéis não nega a igualdade, a divindade, ou a individualidade do Pai, do Filho, ou do Espírito Santo.

Homem e mulher, apesar de terem sido igualmente criados à imagem de Deus e iguais em sua individualidade e essência, têm papeis distintos segundo as Escrituras. Nos versículos sobre a criação da mulher é expresso o conceito de papeis diferentes.

Disse o Senhor Deus: “Não é bom que o homem esteja só. Far-lhe-ei uma adjutora que lhe corresponda.”[27]

Havendo, pois, o Senhor Deus formado da terra todos os animais do campo e todas as aves do céu, trouxe-os ao homem, para ver como lhes chamaria; e tudo o que o homem chamou a todo ser vivente, isso foi o seu nome. Assim o homem deu nome a todos os animais domésticos, às aves do céu e a todos os animais do campo. Mas para o homem não se achava adjutora que lhe correspondesse. Então o Senhor Deus fez cair um sono pesado sobre o homem, e este adormeceu; tomou, então, uma das suas costelas, e fechou a carne em seu lugar. Então da costela que o Senhor Deus tomou do homem, formou a mulher, e a trouxe ao homem. Disse o homem: Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; ela será chamada mulher, pois do homem foi tomada. Portanto deixará o homem a seu pai e a sua mãe, e unir-se-á à sua mulher, e serão os dois uma só carne.[28]

Apesar de Eva ter sido criada depois de Adão, Deus declarou que ambos foram feitos à Sua imagem. Ao criar a mulher, Deus criou uma adjutora que correspondesse ao homem. Isso é visto como a primeira indicação de haver diferença entre os papeis do homem e os da mulher, em que ele desempenharia uma função de liderança. A designação da mulher no papel de adjutora do marido e do homem ter uma função de liderança foi feita antes e não depois da queda. Apesar de haver algumas mudanças na aplicação desses papeis trazidas pela queda, a diferença entre eles foi definida antes de o pecado entrar em cena.

Outras indicações de diferença nos papeis é que Adão foi criado primeiro, recebeu a responsabilidade de dar nome aos animais e também foi quem chamou Eva de “mulher”; Deus falou primeiro com Adão depois que ambos haviam pecado; ele é visto como representante da humanidade. Tudo isso indica que ao homem foi dada uma função de liderança, similar à que Deus , o Pai, tem na Trindade. Isso não afeta a igualdade no que tange à humanidade, ao valor, à importância e à bondade de cada gênero ou indivíduo, apenas expressa uma diferença entre os papéis. Apesar de um ter certa autoridade dada por Deus pela função no relacionamento, ambos são iguais no ser, na essência, em importância e prestígio.

Lemos nas Epístolas de Paulo:

Quero que saibais que Cristo é o cabeça de todo o homem, e o homem o cabeça da mulher, e Deus o cabeça de Cristo[29]

Similarmente a como Deus, o Pai, é o cabeça, ou tem autoridade sobre o Filho, o homem é o cabeça da sua esposa. Há uma distinção de autoridade entre marido e mulher, em que o marido é o cabeça no casamento e na família. Essa função de liderança é acompanhada da responsabilidade do marido de cuidar, proteger e prover para sua esposa e família. Enquanto a Bíblia afirma a liderança do homem no matrimônio, não estende essa autoridade a todas as áreas de interação entre homens e mulheres. Há exemplos claros no Antigo e no Novo Testamento de mulheres em papéis de liderança fora do contexto do casamento, do que se infere que há situações em que mulheres lideram homens e têm autoridade sobre eles. Contudo, no casamento, o papel do homem é o de cabeça da família.

Mesmo havendo diferenças nas funções de Adão e Eva, infere-se ser uma relação harmoniosa, similarmente ao que existe na forma de harmonia e amor entre Pai, Filho e Espírito Santo.

Os autores Lewis e Demarest expressam esse conceito da seguinte maneira:

Antes da Queda, Adão e Eva desfrutavam de uma convivência irrestrita com seu Criador e Mantenedor. Aparentemente, era comum o encontro deles com Deus ao amanhecer e ao anoitecer (Gênesis 3:8). O primeiro casal desfrutava também de um relacionamento amoroso um com o outro. Não há evidência de suspeitas, invejas, ciúme ou ódio antes da Queda. Homem e mulher eram como Deus, tendo uma relação respeito, amor e confiança mútuos.[30]

Quando Adão e Eva pecaram, a diferença nos papéis não mudaram; mas a interação harmoniosa, sim. Como Deus expressou, o desejo dela seria para o marido e que ele a dominaria. É amplamente aceito que a expressão “teu desejo será para o teu marido” significa o desejo da mulher de superar seu marido ou de se rebelar contra sua liderança no casamento, ou tirar dele essa função. Ao fazer isso, produz a falta de união ou conflitos no relacionamento. Ao dizer para a mulher “ele [o marido] te dominará”, entende-se que o marido usaria mal sua autoridade e agiria de forma ditatorial com sua esposa, trazendo conflito para o relacionamento.

À mulher [Deus] disse: Multiplicarei grandemente a dor da tua gestação; em dor darás à luz filhos. O teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará.”[31]

Wayne Grudem explica:

Com respeito a Adão, Deus disse a Eva: “ele te dominará”. A palavra “dominar” (Hebraico: mashal) é um termo forte em geral usado em governos monárquicos, não para expressar a autoridade na família. A palavra não sugere nenhum tipo de participação dos governados no governo, mas tem nuanças de uso de autoridade ditatorial, sem consideração pelos outros. Sugere aspereza, em vez de bondade. Aqui significa que Adão abusaria da sua autoridade ao dominar com dureza sua esposa, introduzindo dor e conflitos ao um relacionamento anteriormente harmonioso. Adão tinha autoridade antes da Queda. O que mudou foi que ele passou a usá-la mal depois de pecar. Em ambos os casos, a maldição distorceu a terna e humilde liderança de Adão e a submissão inteligente e voluntária de Eva à liderança de Adão, existente antes da queda.[32]

O Novo Testamento ensina que os homens cristãos não devem ser ásperos com suas esposas e diz que estas devem se submeter aos seus maridos.

Vós, mulheres, sede submissas a vossos próprios maridos, como convém no Senhor. Vós, maridos, amai a vossas mulheres, e não as trateis asperamente.[33]

A inferência é que as consequências do pecado trouxeram conflitos à relação entre os membros do primeiro casal e, subsequentemente, a todos os casais. Os cristãos devem em seu casamento agir mais como Adão e Eva antes da Queda. Quando as Escrituras dizem às mulheres para se submeterem aos seus maridos e aos homens para não serem ásperos com suas esposas, remete às consequências do pecado e promove o amor e a harmonia no matrimônio. A salvação, o tornar-se uma nova criatura, a regeneração e o crescer na fé devem resultar em maior semelhança a Cristo, refletindo melhor a imagem de Deus.

Unidade no casamento

A união de um homem e mulher em matrimônio os torna uma equipe e, para uma equipe ser bem sucedida, seus membros têm de trabalhar em união e cada pessoa desempenhar bem seu papel. Toda equipe precisa de uma cabeça ou capitão. Segundo as Escrituras, o marido é o capitão em um matrimônio. Isso não nega a necessidade de a equipe trabalhar em união. Ser o capitão não quer dizer que o homem deva ser um ditador que nunca escuta os outros membros nem aceita seus conselhos. A equipe deve trabalhar de forma coesa, em união e o mesmo acontece em um casamento.

Se os maridos forem ásperos e ditatoriais, ou se as esposas estiverem tentando chefiar o casamento, devem reconhecer que essas atitudes e conhecimentos são coerentes com estado da humanidade após a Queda. Enquanto novas criaturas em Cristo, devemos ser transformados para nos tornarmos mais semelhante à Sua imagem e assim refleti-lO em nossas relações.

Todos nós … segundo a Sua imagem estamos sendo transformados com glória cada vez maior.[34]

Deus criou o homem e a mulher à Sua imagem e semelhança. Essa condição ainda permanece, apesar de estar prejudicada pelo pecado. Aos olhos de Deus, homens e mulheres são iguais. No casamento, o homem tem uma função de liderança, mas permanece a igualdade entre dos gêneros em valor e individualidade. Enquanto cristãos, no casamento devemos buscar a união de dois seres humanos iguais, desempenhando os papéis que Ele nos deu em harmonia, compreensão mútua e amor um pelo outro, conforme o exemplo que existe na unidade no contexto da Trindade de Deus.


[1] Gênesis 5:1–32.

[2] Lucas 3:23–38.

[3] 1 Coríntios 15:45.

[4] 1 Timóteo 2:13.

[5] J. I. Packer, Concise Theology (Tyndale House Publishers, 1993), p. 81.

[6] Gênesis 1:26–27.

[7] Gênesis 2:7.

[8] Gênesis 2:21–23.

[9] Gênesis 5:1–2.

[10] E agora, Pai, glorifica-Me em Tua presença com a glória que tinha contigo antes que o mundo existisse. (João 17:5).

Pai, quero que onde Eu estiver, estejam também comigo aqueles que Me deste, para que vejam a Minha glória, a glória que Me deste, porque Me amaste antes da criação do mundo (João 17:24).

[11] Wayne Grudem, Systematic Theology, An Introduction to Biblical Doctrine (Grand Rapids: InterVarsity Press, 2000), p. 454–455.

[12] Wayne Grudem, Systematic Theology, an Introduction to Biblical Doctrine (Grand Rapids: InterVarsity Press 2000), p. 456.

[13] Atos 2:17–18.

[14] 1 Coríntios 12:11.

[15] 1 Pedro 4:10.

[16] Atos 21:8–9.

[17] Mateus 9:21–22; Mateus 15:21–28; Lucas 13:11–13.

[18] João 4:4–26.

[19] Lucas 7:36–44.

[20] Lucas 8:1–3.

[21] Kenneth E. Bailey, Jesus Through Middle Eastern Eyes (Downers Grove: InterVarsity Press, 2008), p. 202–203.

[22] A principal parte das leis civis e religiosas judaicas, formando a primeira parte do Talmude. Essas leis foram transmitidas oralmente e escritas por volta de 200 d.C. (Cortesia do dicionário Microsoft Encarta).

[23] Kenneth E. Bailey, Jesus Through Middle Eastern Eyes (Downers Grove: InterVarsity Press, 2008), p. 248, 250.

[24] Gálatas 3:27–28.

[25] Amy Orr-Ewing, Isn’t the Bible Sexist?.

[26] James Leo Garrett, Jr., Systematic Theology, Biblical, Historical, and Evangelical, Vol. 1 (N. Richland Hills: BIBAL Press, 2000), p. 494.

[27] Gênesis 2:18.

[28] Gênesis 2:19–24.

[29] 1 Coríntios 11:3.

[30] Gordon R. Lewis and Bruce A. Demarest, Integrative Theology, Vol. 2 (Grand Rapids: Zondervan, 1996), p. 206.

[31] Gênesis 3:16.

[32] Wayne Grudem, Systematic Theology, An Introduction to Biblical Doctrine (Grand Rapids: InterVarsity Press, 2000), p. 464.

[33] Colossenses 3:18–19.

[34] 2 Coríntios 3:18 (NVI).