As Histórias que Jesus Contou: O Pai e os Filhos Perdidos, Lucas 15:11–32

Janeiro 27, 2015

por Peter Amsterdam

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A terceira parábola em Lucas capítulo 15 é uma continuação da resposta de Jesus às críticas dos escribas e fariseus à sua convivência com os pecadores. Primeiro, contou as parábolas gêmeas da Ovelha Perdida e da Moeda Perdida, as quais falam da alegria de encontrar o que foi perdido. Então continua Sua resposta com uma das mais longas e, na minha opinião, das mais belas de Suas parábolas. A narrativa tem três partes: a partida do filho mais jovem; seu retorno e as boas-vindas que recebe; e o diálogo de conclusão entre o pai e o filho mais velho.

A partida

“Certo homem tinha dois filhos. O mais moço deles disse ao pai: Pai, dá-me a parte dos bens que me pertence. E o pai repartiu os bens entre os dois. Poucos dias depois, o filho mais novo, ajuntando tudo, partiu para uma terra longínqua.”

O pedido extraordinário feito pelo rapaz certamente chocou e escandalizou a primeira audiência da história. Pediu para receber a parte na herança que normalmente receberia quando o pai morresse, enquanto este ainda estava vivo e com saúde. Sua atitude dizia que, para ele, o pai havia morrido, o que se traduzia essencialmente, em um rompimento da relação com o pai. Isso expressava tal nível de desrespeito que a expectativa de quem ouvia a parábola era que a próxima cena da parábola seria a do pai explodindo em ira e castigando o filho por tratá-lo com tamanha ingratidão e desrespeito.

Contudo, o pai aquiesceu e dividiu a propriedade entre os seus dois herdeiros. A Lei de Moisés previa que o mais velho deveria receber o dobro que o mais novo, ou seja, dois terços de tudo que o pai possuísse e que o caçula ficaria com um terço.[1] O pai podia fazer a partilha da herança, terras de um modo geral, entre seus filhos a qualquer momento que escolhesse. Ao fazer isso, entretanto, transferia a posse, mas não o controle sobre a propriedade. O controle assim como os frutos da terra pertenceriam ao pai até sua morte. Ele poderia determinar que fração da colheita ficaria para ele e o restante pertenceria aos filhos. O pai não podia vender a terra, pois pertencia aos filhos, mas mantinha o controle sobre seu uso e sua produção. Os filhos poderiam vender a propriedade se assim quisessem, mas o comprador somente teria direitos plenos sobre ela após a morte do pai. Essas regras protegiam os pais, garantindo-lhes o sustento até a morte.

O filho mais jovem estava, na verdade, fazendo dois pedidos. O primeiro era que o pai dividisse a propriedade; o segundo, subentendido, é que transferisse para ele o direito de se desfazer da terra. O filho caçula queria converter o imóvel em dinheiro. Com isso, demonstrava não ter nenhuma consideração pelo futuro do pai e, além de tratar o pai como se ele já estivesse morto, privava-o de uma parte da produção da terra que a este caberia por direito na velhice. O pai concordou em dar ao filho sua parte na herança e lhe conceder o direito de venda, uma reação inconcebível para os primeiros ouvintes da história.

Kenneth Bailey escreveu:

Que eu saiba, em toda a literatura do Oriente Médio (à parte desta parábola) desde os tempos antigos até o presente, não há nenhum caso de um filho, mais velho ou mais novo, pedir que um pai com boa saúde repartisse a herança.[2]

Vemos então que o filho mais jovem vendeu sua parte na herança e levou o dinheiro percebido com a venda para outro país, ou seja, mudou-se de Israel para algum território gentio.

O mais velho, que também teria recebido sua parte da herança na época, como esclarece a frase “o pai repartiu os bens entre os dois”, passou a ter a posse do restante da propriedade, mas não o seu controle. O pai permanece como chefe dos bens da família e dono da produção da terra, o que a história deixa claro quando, mais à frente, o pai diz ao primogênito: todas as minhas coisas são tuas — já que teria posse e controle de tudo que pertencia ao pai quando este morresse.[3]

As desditas do mais jovem

Jesus então conta o que acontece ao segundo filho:

“Poucos dias depois, o filho mais novo, ajuntando tudo, partiu para uma terra longínqua, e ali desperdiçou os seus bens, vivendo dissolutamente. Tendo ele gastado tudo, houve naquela terra uma grande fome, e começou a padecer necessidades.”

Ao sair de casa, o filho mais jovem se viu livre para viver como bem escolhesse. Afastado o pai, do irmão, da comunidade e do país, passou a viver de uma forma que pode ser descrita como libertina e inconsequente, o que o levou a perder tudo que possuía. Como veremos mais à frente, o irmão mais velho o acusou de gastar o dinheiro com prostitutas e imoralidades, mas isso não é confirmado especificamente na história.

O dinheiro do filho mais novo acabou quando a região em que se encontrava sofreu uma estiagem. Se não fosse por isso, poderia ter trabalhado para se sustentar, mas a ausência de chuvas reduziu a oferta de trabalho e, como veremos, o que ele conseguiu não lhe rendia o suficiente para comer.

“Então ele foi e se chegou a um dos cidadãos daquela terra, o qual o mandou para os seus campos a apascentar porcos. Ele desejava encher o estômago com as alfarrobas que os porcos comiam, mas ninguém lhe dava nada.”

Um estudioso explica da seguinte forma o infortúnio do jovem:

Passando necessidades, busca emprego com um “cidadão” daquele país, um gentio criador de porcos que o manda para os campos para deles cuidar. Seus status é de um servo contratado — situação superior à de um escravo, mas que lhe impunha a obrigação de trabalhar em serviços gerais para seu empregador por um tempo específico.[4]

Quem ouviu a história em primeira mão tinha a dimensão da degradação que sofrera a vida do rapaz, ao aceitar o trabalho de alimentar porcos. Esses animais eram considerados impuros pelas leis mosaicas e escritos posteriores declaravam amaldiçoado todo criador de suínos. Além de ter afundado à condição de cuidador de porcos, a fome do jovem era tal que ele passou querer comer o que era dado aos porcos. Sem comida e sem ninguém que o ajudasse, sabia que morreria de fome se não fizesse algo rápido. E foi quando “caiu em si”.

“Então, caindo em si, disse: Quantos trabalhadores de meu pai têm abundância de pão, e eu aqui pereço de fome! Levantar-me-ei, e irei ter com meu pai, e dir-lhe-ei: ‘Pai, pequei contra o céu e perante ti. Já não sou digno de ser chamado teu filho; faze-me como um dos teus trabalhadores.’”

O significado da expressão “caindo em si” é motivo de amplo debate entre os estudiosos das parábolas. Para alguns, quer dizer que o jovem se arrependeu; para outros, ele percebeu quão ruim sua situação se tornara e que a decisão de voltar para o pai era apenas uma questão de sobrevivência, sem nenhum vínculo com arrependimento. Independentemente da interpretação, está claro que o filho despertou para a realidade e reconheceu sua insensatez, o que é. pelo menos, o primeiro passo a caminho do arrependimento.

Decidiu voltar para seu pai, admitir seu erro, seu pecado e pedir que o aceitasse como servo contratado. Que pecado ele estaria reconhecendo e o que os ouvintes daquela época considerariam pecado? Muito provavelmente a desonra do pai, uma violação do quinto mandamento, que ocorreu quando partiu com sua parte da propriedade, demonstrando assim não querer cumprir com sua obrigação de prover para seu pai na velhice deste. O jovem vendera e desperdiçara aquilo que deveria servir para o sustento do pai quando este não mais pudesse trabalhar e entregasse a fazenda para ser administrada pelos filhos.[5]

Ao se lembrar de que os “trabalhadores” de seu pai tinham abundância de víveres, planejou pedir ao pai que o tratasse como um servo contratado, ou seja, um diarista, um trabalhador sem estabilidade, contratado pela manhã para trabalhar naquele dia. Em casos assim, não havia vínculo entre contratados e contratantes, o que queria dizer que o jovem não moraria na fazenda do pai, não comeria à mesa da família e que seria remunerado somente quando houvesse trabalho para ele fazer. Dessa forma, não teria a condição de filho. De certa forma sua situação seria menos privilegiada que a dos escravos e servos da casa e da fazenda, que tinham vínculo com o dono da fazenda, viviam na propriedade e contavam com a proteção do patrão. Entretanto, dada sua situação, concluiu que isso seria melhor do que morrer de fome.

Ao planejar o que diria ao pai, o jovem incluiu uma confissão de culpa: “Pequei”; admite que destruíra o relacionamento com o pai: “não sou digno de ser chamado teu filho”; e sugere uma solução: “faze-me como um dos teus trabalhadores”. Isso deixava implícito que desejava trabalhar e ser remunerado para restituir ao pai o dinheiro que havia desperdiçado. Nada na história sugere que ele esperava ser tratado melhor que um trabalhador diarista.

O retorno

“Então, levantando-se, foi para seu pai. Quando ainda estava longe, viu-o seu pai, e se moveu de íntima compaixão e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou. O filho lhe disse: ‘Pai, pequei contra o céu e perante ti, já não sou digno de ser chamado teu filho.’”

A reposta do pai ao ver seu filho ao longe muito provavelmente surpreendeu quem ouvia Jesus contar a história. Arland Hultgren explica qual era a provável expectativa:

Mesmo sentindo compaixão pelo filho, uma reação apropriada do pai seria deixar o rapaz chegar em casa, cair de joelhos e pedir perdão. Então, na melhor de todas as circunstâncias, o pai responderia com palavras de perdão e explicaria as expectativas. O filho, então, ficaria em casa, por um tempo, para que o arrependimento fosse comprovado e, talvez, pudesse ali permanecer até granjear o bastante para novamente partir como uma pessoa independente.[6]

O filho envergonhara o pai diante de toda a vila. Seria justificável que este o deixasse o vir até ele, passando antes pela vila sob os olhares de reprovação da comunidade. Não foi o que fez, mas, cheio de compaixão, apressou-se em direção ao filho. O rapaz estava distante, talvez se aproximando da vila, quando o pai o avistou e correu para ele, algo que um homem de idade com boa posição social jamais faria em público. Para isso, teve de levantar as vestes e expor as pernas, algo considerado vergonhoso na cultura da época.[7] Como leremos mais à frente, parece que seus servos correram após ele e é possível que o grupo tenha chamado a atenção dos moradores do local. A primeira coisa que o pai fez for abraçar e beijar o filho, antes mesmo que este tivesse a chance de falar o que havia preparado.

“O filho lhe disse: ‘Pai, pequei contra o céu e perante ti, já não sou digno de ser chamado teu filho.’ Mas o pai disse aos seus servos: ‘Trazei depressa a melhor túnica e vesti-o com ela, e ponde-lhe um anel na mão, e sandálias nos pés.’”

O filho começa a dizer o que havia ensaiado, mas o pai não lhe permite terminar. Interrompe-o antes que o rapaz tenha a chance de explicar como lhe parece que ele deve ser tratado. Ao ouvi-lo se dizer indigno de ser chamado filho, o pai não o deixa prosseguir. Dá ordem aos servos para lhe cingirem com as melhores vestes, colocarem um anel no seu dedo e sapatos nos pés. As ações do pai foram mais eloquentes do que qualquer coisa que ele pudesse dizer. Diz aos servos que devem prestar contas ao filho. As melhores vestimentas seriam as que o pai usaria nos dias festivos e em ocasiões especiais. O anel era provavelmente um anel de sinete, indicando sua confiança no jovem. Ao lhe calçar os pés, o homem anunciou a todos que seu filho é considerado um homem livre na casa e não um servo.[8]

Com essas ações, o pai deu a mensagem de que se reconciliara com o filho. Quando os convidados do banquete o vissem usando trajes do pai, um anel e sapatos, entenderiam que o pai o aceitara e, portanto, a comunidade também o deveria aceitar.[9] Qualquer hostilidade contra o rapaz deveria ser deixada de lado, ele fora perdoado pelo pai filho. Além de dar essa mensagem aos servos e à comunidade, o homem expressou algo poderoso ao filho: o perdão. O filho entendeu que a reconciliação com seu pai não estava acontecendo porque este o aceitara como um de seus trabalhadores e que ele não iria ressarcir o pai pela propriedade perdida. Não era algo que pudesse fazer por merecer.

Como Kenneth Bailey explica:

Agora ele sabe que não pode oferecer nenhuma solução ao relacionamento com o pai. Vê que a questão não gira em torno do dinheiro perdido, mas da quebra de uma relação para a qual ele não tem a cura. Agora entende que qualquer novo relacionamento que ali surgir nascerá de uma dádiva de seu pai. O filho não tem nenhuma solução para oferecer. Imaginar que compensaria o pai com seu trabalho seria um insulto. “Não sou digno” é provavelmente a única resposta apropriada.[10]

As boas-vindas que recebeu foi um ato de graça não merecida. Foi perdão. Não havia nada que o rapaz pudesse fazer para remediar o passado. O pai não queria o dinheiro perdido, mas o filho perdido.

“Trazei o bezerro cevado, e matai-o. Comamos, e alegremo-nos.”

O pai mandou que abatessem e preparassem o bezerro cevado. Cozinhar um animal tão grande para uma celebração indicava que haveria muita gente para comer, ou seja, que toda a vila ou pelo menos a maioria dos seus habitantes seria convidada para a festa. Um bezerro vinha sendo cevado para uma comemoração como essa. E o pai, cheio de gozo, exclamou:

“‘Pois este meu filho estava morto, e reviveu, tinha-se perdido, e foi achado.’ E começaram a alegrar-se.”

Ao usar a frase “estava perdido e foi achado”, Jesus lembrou os ouvintes das histórias da Ovelha Perdida e da Moeda Perdida, pois a mesma expressa fora usada nessas parábolas.

O filho mais velho

Agora passamos para a próxima fase da narrativa, quando entra em cena o filho mais velho.

“O filho mais velho estava no campo. Quando voltou, e chegou perto de casa, ouviu a música e as danças. Chamando um dos criados, perguntou-lhe o que era aquilo. Ele lhe disse: ‘Veio teu irmão, e teu pai matou o bezerro cevado, porque o recebeu são e salvo.’ Mas ele se indignou, e não queria entrar.”

No fim do dia de trabalho, o filho mais velho voltou do campo o que, presume-se, ficava a certa distância da vila e da casa do pai. Os preparativos para a festa já estavam acontecendo havia algumas horas, o animal já havia sido abatido, temperado e cozido, e os outros pratos preparados. Quando tudo estivesse pronto, a festa começaria. Uma comemoração assim iria até tarde da noite, com pessoas cantando, dançando, bebendo vinho, comendo, conversando, vindo e indo a noite inteira.[11] O filho mais velho chegou do campo depois que as festividades haviam começado, como provavelmente foi o caso de muitos outros homens moradores da vila.

É possível imaginar que tenha feito mais perguntas ao servo, além da que lemos na história, já que, mais tarde, ao conversar com o pai, o primogênito estava perfeitamente ciente de que nada sobrara da parte da herança que o irmão caçula levara. Quando soube o que celebravam e que seu pai acolhera o filho mais novo em casa de braços abertos, o mais velho ficou furioso.

Em eventos assim, o costume era que o filho mais velho circulasse entre os convidados, como parte das responsabilidades de anfitrião que compartilhava com o pai — certificando-se de que tudo estivesse bem, que não faltasse comida nem bebida para as pessoas, etc. Esperava-se que o filho mais velho pelo menos comparecesse à festa e fingisse participar da celebração pelo retorno do irmão, deixando que os pontos de desentendimentos com seu pai fossem tratados em outro momento, em privado. Mas em vez de cumprir o protocolo, o homem publicamente se recusa entrar em casa, participar das festividades e discute com o pai em público, como veremos — atitudes muitíssimo desrespeitosas e insultantes.

“Então, saindo o pai, instava com ele. Mas ele respondeu a seu pai: ‘Olha, sirvo-te há tantos anos, sem nunca transgredir o teu mandamento, e nunca me deste um cabrito para alegrar-me com os meus amigos. Vindo, porém, este teu filho, que desperdiçou os teus bens com meretrizes, tu mandaste matar para ele o bezerro cevado!’”

Mesmo correndo o risco de ser humilhado e envergonhado diante dos convidados, o pai sai da festa para tentar convencer o filho a celebrar com todos. A reação do rapaz vem carregada de desrespeito, rancor, ressentimento e da verdade de como vê sua própria relação com o pai. O desrespeito se caracteriza logo no início, quando não o chama de pai, mas vai direto ao ataque verbal. Diz que trabalhou para o pai como um escravo por anos, comportando-se como um escravo e não como um filho. Afirma jamais haver desobedecido as ordens de seu pai, mas era justamente o que estava fazendo naquele momento ao se recusar a atender ao pedido do pai para que viesse ao festejo. Então, acusa seu pai de favoritismo por haver honrado o filho mais jovem com um bezerro cevado, enquanto que ele, o primogênito, jamais ganhou um cabrito para comer com seus amigos. Além disso, faz questão de deixar claro não ter nenhuma relação com o irmão, ao se referir a este como “este teu filho”. Ele acusa seu irmão de desperdiçar a riqueza do pai com prostitutas para manchar ainda mais sua imagem aos olhos do pai.

Em essência, o que disse foi: “Tenho sido um bom filho, trabalhei para você, obedeci ao que me disse e você me deve por isso.” Está assemelhando o relacionamento com seu pai ao que existe entre um trabalhador e um empregado, não o que se espera entre pai e filho. Seu relacionamento com seu pai se baseia na lei, no mérito e na recompensa, em vez de no amor e na graça.[12] Fica claro que, como o mais novo, o filho mais velho tem mais interesse nos bens do pai do que no relacionamento com ele, algo que deve ter sido duro para o pai ouvir.

Como o pai reage? Trata o mais velho da mesma forma que recebeu o mais jovem: com amor, bondade e misericórdia. O relacionamento do primogênito com o pai também não é bom. Com amor, o pai conseguiu restaurar a relação com o mais novo e agora busca fazer o mesmo com o outro. Ele diz:

“Filho, tu sempre estás comigo, e todas as minhas coisas são tuas.”

Apesar de não ter sido chamado de pai, chama o rapaz de filho. Algumas traduções usam uma expressão ainda mais calorosa: meu filho. O rapaz se vê como alguém que “trabalha como um escravo” para o pai, que o vê como um companheiro, alguém que está sempre com ele, coproprietário da fazenda. Tudo que o pai tem é do filho mais velho. O título da fazenda já lhe fora transferido quando da divisão da herança. Mesmo que o primogênito ainda não controle os bens, a ele pertence tudo que é do pai.[13]

Em vez de se mostrar ultrajado, o pai responde com ternura e amor, tal como fizera com o mais jovem. O relacionamento com o filho mais velho também não é bom e isso é algo que o pai quer corrigir. Os dois filhos precisam de reconciliação e restauração com o pai e recebem dele o mesmo amor, amor que lhes é dado em humildade.

A última frase do pai expressa sua alegria pelo filho mais novo que estava perdido e foi encontrado.

“Era justo alegrarmo-nos e folgarmos, porque este teu irmão estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado.”

Fica no ar a pergunta se o irmão mais velho que também estava perdido teria sido encontrado e restaurado, pois a narrativa não inclui sua reação.

Reconciliação e restauração

No contexto em que a parábola foi contada, Jesus explicou por que comia e interagia com os coletores de impostos e com os pecadores que O procuravam. Ele estava ali para mostrar o amor e a graça de Seu Pai aos perdidos, para lhes trazer reconciliação e restauração. Seu ministério era buscar e salvar os perdidos.[14] Ao criticarem as interações de Jesus com os pecadores, os fariseus, como fizera o irmão mais velho, não conseguiam se regozijar pelo perdido ter sido encontrado, que seus irmãos e irmãs estavam sendo acolhidos nos braços do Pai, amados e restaurados a Ele. Como o filho mais velho, os fariseus haviam servido Deus e guardado Seus mandamentos, pelo que sentiam ter conquistado seu lugar na casa do pai. Contudo, também como o primogênito da história, não percebiam o tipo de relacionamento que Deus buscava, a relação entre pai e filho, não entre mestre e servo.

Os fariseus tiveram a oportunidade de mudar a maneira de pensar, de entender que Deus muito se alegra quando o perdido é encontrado, que o maior interesse de Jesus e de Seu ministério é justamente os perdidos. Os fariseus são convidados para participar da celebração, mas aceitarão o convite? Na verdade, Jesus chama os ouvintes para, com suas reações, decidirem o desfecho da história.

Esta parábola e as duas anteriores nos ensinam algo belo sobre Deus, nosso Pai. Ele é cheio de compaixão, graça, amor e misericórdia. Como o pai na história, Ele nos permite fazer nossas próprias decisões e independentemente de aonde essas escolhas nos levam, Ele nos ama. Seu desejo é que cada um que se desencaminhe, que esteja perdido, cujo relacionamento com Ele esteja ruim, venha para casa. Ele espera por eles e os acolhe com grande alegria e celebração.

Tanto um filho quanto o outro tinham um entendimento distorcido do pai, assim como tantos fazem uma ideia equivocada de Deus. O filho rebelde queria ser independente do pai, rompeu a relação com ele e viveu como lhe pareceu melhor. Queria os benefícios dos bens do pai, mas não se relacionar com ele. O filho mais velho cumpria seus deveres, aparentava obediência e lealdade, mas também interpretara mal o relacionamento que deveria ter com o pai. O primogênito tentou fazer por merecer a aceitação do pai; o caçula se rebelou contra ele. Os dois filhos deturparam o relacionamento com o pai; ofenderam-no profundamente e o magoaram; ambos foram por ele acolhidos de volta incondicionalmente.

Essa é a atitude de Deus para cada pessoa. Ele ama profundamente e deseja ter um relacionamento forte e estável com cada um. Busca os perdidos e grandemente de regozija com cada um que volta para casa. Recebe-os de braços abertos, independentemente de quem sejam ou do que tenham feito. Ele perdoa, ama e acolhe. Como diz o antigo hino “Vem já, vem já! Alma cansada, vem já.”

É muito fácil para os cristãos desenvolverem atitudes similares às do irmão mais velho. Não é difícil achar “Já fiz muito por Deus e agora Ele está em dívida comigo”. Podemos desejar Suas bênçãos espirituais e físicas, sem verdadeiramente desejar Deus. Podemos olhar com desprezo e desdém para os filhos mais novos deste mundo que não têm um relacionamento com Deus e nos considerarmos melhores que eles.

Devemos tentar sempre estar consciente do amor de Deus, o qual é estendido não apenas a nós que cremos, mas a toda humanidade. Cada pessoa é profundamente amada pelo Pai. Jesus deu a vida por todos e cada um. Somos chamados para levar essa notícia para os outros e, para isso, a exemplo do que fez Jesus, devemos buscá-los, fazer um esforço para alcançá-los, dar-lhes a mensagem que Deus os ama e quer ter um relacionamento com eles. Deus é cheio de amor, graça e misericórdia. Ele ama cada pessoa e nos chamou para, como Seus representantes, mostrar amor incondicional, amar o desagradável e incorporar os princípios ensinados nas parábolas de Lucas 15, para buscar os perdidos, ajudar a restaurá-los e reagir com alegria e celebração quando o perdido for encontrado. Que o Senhor ajude cada um de nós a fazer isso.


O Pai e os Filhos Perdidos, Lucas 15:11–32

11 Jesus continuou: Certo homem tinha dois filhos.

12 O mais moço deles disse ao pai: Pai, dá-me a parte dos bens que me pertence. E o pai repartiu os bens entre os dois.

13 Poucos dias depois, o filho mais novo, ajuntando tudo, partiu para uma terra longínqua, e ali desperdiçou os seus bens, vivendo dissolutamente.

14 Tendo ele gastado tudo, houve naquela terra uma grande fome, e começou a padecer necessidades.

15 Então ele foi e se chegou a um dos cidadãos daquela terra, o qual o mandou para os seus campos a apascentar porcos.

16 Ele desejava encher o estômago com as alfarrobas que os porcos comiam, mas ninguém lhe dava nada.

17 Então, caindo em si, disse: Quantos trabalhadores de meu pai têm abundância de pão, e eu aqui pereço de fome!

18 Levantar-me-ei, e irei ter com meu pai, e dir-lhe-ei: Pai, pequei contra o céu e perante ti.

19 Já não sou digno de ser chamado teu filho; faze-me como um dos teus trabalhadores.

20 Então, levantando-se, foi para seu pai. Quando ainda estava longe, viu-o seu pai, e se moveu de íntima compaixão e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou.

21 O filho lhe disse: Pai, pequei contra o céu e perante ti, já não sou digno de ser chamado teu filho.

22 Mas o pai disse aos seus servos: Trazei depressa a melhor túnica e vesti-o com ela, e ponde-lhe um anel na mão, e sandálias nos pés.

23 Trazei o bezerro cevado, e matai-o. Comamos, e alegremo-nos..

24 Pois este meu filho estava morto, e reviveu, tinha-se perdido, e foi achado. E começaram a alegrar-se.

25 O filho mais velho estava no campo. Quando voltou, e chegou perto de casa, ouviu a música e as danças.

26 Chamando um dos criados, perguntou-lhe o que era aquilo.

27 Ele lhe disse: Veio teu irmão, e teu pai matou o bezerro cevado, porque o recebeu são e salvo.

28 Mas ele se indignou, e não queria entrar. Então, saindo o pai, instava com ele.

29 Mas ele respondeu a seu pai: Olha, sirvo-te há tantos anos, sem nunca transgredir o teu mandamento, e nunca me deste um cabrito para alegrar-me com os meus amigos.

30 Vindo, porém, este teu filho, que desperdiçou os teus bens com meretrizes, tu mandaste matar para ele o bezerro cevado.

31 Respondeu-lhe o pai: Filho, tu sempre estás comigo, e todas as minhas coisas são tuas.

32 Mas era justo alegrarmo-nos e folgarmos, porque este teu irmão estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado.


Nota

A menos que indicado ao contrário, todas as referências às Escrituras foram extraídas da “Bíblia Sagrada” — Tradução de João Ferreira de Almeida — Edição Contemporânea, Copyright © 1990, por Editora Vida.


[1] Mas reconhecerá por primogênito o filho da mulher não amada, dando-lhe porção dobrada dos bens. Esse filho é o primeiro fruto do seu vigor, e a ele pertence o direito de primogenitura. (Deuteronômio 21:17).

[2] Bailey, Poet and Peasant, 145.

[3] Hultgren, The Parables of Jesus, 74.

[4] Hultgren, The Parables of Jesus, 75.

[5] Hultgren, The Parables of Jesus, 77.

[6] Hultgren, The Parables of Jesus, 78.

[7] Bailey, Poet and Peasant, 181.

[8] Jeremias, Rediscovering the Parables, 103.

[9] Bailey, Poet and Peasant, 185.

[10] Bailey, Poet and Peasant. 184–185.

[11] Bailey, Poet and Peasant, 193.

[12] Hultgren, The Parables of Jesus, 80.

[13] Hultgren, The Parables of Jesus, 82.

[14] Lucas 19:10.