Jesus — Sua Vida e Mensagem: Jesus e o Escriba

Agosto 25, 2020

por Peter Amsterdam

[Jesus—His Life and Message: Jesus and the Scribe]

A interação de Jesus com um certo escriba positivamente impressionado com Seu ensinamento é contada nos três Evangelhos sinópticos.[1] Vamos nos concentrar na versão encontrada no Evangelho segundo Marcos.

No capítulo 12 de Marcos, lemos três relatos de Jesus interagindo com diferentes autoridades religiosas. Primeiro, os fariseus e Herodes tentaram induzir Jesus a dizer algo que Lhe causasse problemas com as autoridades.[2] Em seguida, os saduceus fizeram uma pergunta hipotética sobre a vida após a morte.[3] O terceiro encontro foi com um escriba que estava atento à interação de Jesus com os fariseus, Herodes e os saduceus.

Aproximou-se dele um dos escribas que os tinha ouvido discutir e, sabendo que lhes havia respondido bem, perguntou-lhe: Qual é o principal de todos os mandamentos?”[4]

Um escriba era um profissional especializado na produção e interpretação de textos. Na época de Jesus, os escribas interpretavam textos bíblicos e eram considerados guardiões das tradições judaicas. A maioria dos escribas estava associada aos fariseus. Ao longo do livro de Marcos, são frequentemente apontados como opositores de Jesus.

Estavam ali assentados alguns dos escribas, que arrazoavam em seus corações: “Por que profere este assim blasfêmias? Quem pode perdoar pecados, senão Deus?”[5]

Os escribas, que tinham descido de Jerusalém, diziam: “Está possesso de Belzebu, e pelo príncipe dos demônios expulsa os demônios.”[6]

Diferentemente dos outros, o escriba mencionado nesse relato fazia uma pergunta sincera. A questão de qual mandamento seria o mais importante era frequentemente debatida entre professores religiosos judeus. A Torá contém 613 mandamentos, dos quais 248 são afirmativos e 365 negativos. Por conta desse número elevado, era comum discutir se os mandamentos se diferenciavam em grau de importância e qual seriam os mais importantes. Jesus parecia insinuar que alguns dos mandamentos seriam menos importantes do que outros, ao falar sobre a obediência e sobre a desobediência ao menor desses mandamentos.[7] Ele também apontou que alguns assuntos da Lei eram mais importantes do que outros:

Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, mas negligenciais o mais importante da lei, a justiça, a misericórdia e a fé. Devíeis, porém, fazer estas coisas, sem omitir aquelas.[8]

Neste caso, a questão era qual mandamento seria o fundamental — a base para todos os outros. Jesus respondeu citando dois mandamentos de duas seções separadas da Torá (o Antigo Testamento). O primeiro remetia ao versículo que é provavelmente o mais conhecido no judaísmo, conhecido como Shema, repetido duas vezes por dia pelos judeus religiosos.

Respondeu-lhe Jesus: “O principal de todos os mandamentos é: ‘Ouve, ó Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor! Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de todas as tuas forças.’”[9]

Este mandamento tem quatro elementos: o primeiro é o “coração”, ou seja, o centro de suas afeições; o segundo é a “alma”, que aqui significa a fonte de seus desejos e sentimentos; o terceiro é o “entendimento”, que envolve pensar e compreender; e o quarto é “força”, a energia de alguém. Esses quatro elementos juntos dão sentido e completude ao amor por Deus, ou seja amar com todo o ser. Esse primeiro mandamento está alinhado com os três primeiros dos Dez Mandamentos, que tratam da relação de alguém com Deus. No Evangelho segundo Mateus, Jesus o chama de grande e primeiro mandamento.[10] Detém o lugar de prioridade.

Jesus continuou a dizer:

“O segundo é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que estes.”[11]

Esse segundo mandamento corresponde aos outros sete dos dez mandamentos, que abordam as relações entre os indivíduos. As pessoas têm uma inclinação natural para amar a si mesmas e cuidar de si mesmas, mas Jesus ensinou que esse amor deve se estender ao próximo. Tal amor não deve ser entendido como um sentimento emocional, mas sim como atos de bondade amorosa.

Juntos, esses dois mandamentos oferecem uma base para a compreensão da vida cujo propósito, antes de tudo, consiste de amar Deus e, como resultado, amar também o próximo, criado à imagem de Deus, amado por Deus por quem Cristo morreu.[12] Aparentemente, Jesus tomou esses dois mandamentos sobre amar a Deus e amar o próximo e os combinou em um mandamento, pois afirmou que não há outro mandamento maior do que estes. Todos os outros mandamentos podem ser entendidos como derivações desse mandamento primário, composto de duas partes.

Respondeu o escriba: Muito bem, Mestre, e com verdade disseste que há um só Deus, e que não há outro além dele. Amá-lo de todo o coração, de todo o entendimento, de toda a alma e de todas as forças, e amar ao próximo como a si mesmo, excede a todos os holocaustos e sacrifícios.”[13]

A resposta do escriba afirma a declaração de Jesus sobre o Shema, que Deus é um, e ele também elogia Jesus por falar a verdade sobre isso. O escriba mostra seu acordo com o que Jesus afirmou repetindo-o. Em algumas traduções, a fala do escriba omite, “com toda a sua alma”, algo aparentemente de menor importância.

O escriba acrescentou que amar a Deus com todo o coração e o próximo como a si mesmo excede a todos os holocaustos e sacrifícios. Holocaustos diz respeito aos sacrifícios de animais que eram queimados no altar; enquanto a expressão “sacrifícios” refere-se às várias oferendas em que parte do sacrifício foi queimada no altar, parte doada ao sacerdote e outra parte permanecia para consumo do adorador.

Vendo Jesus que ele havia respondido sabiamente, disse-lhe: Não estás longe do reino de Deus. E já ninguém mais ousava perguntar-lhe nada.[14]

Jesus elogiou aquele escriba por entender que amar a Deus e ao próximo era mais importante do que qualquer ritual do templo. Sabemos que o homem estava perto do reino de Deus, mas não está registrado se escolheu seguir Jesus ou não. O estudioso Robert Stein escreveu:

O relato  termina sem nos dizer. Isso pode ser intencional, pois Marcos pode querer que seus leitores lidem com o questionamento: “Eu entrei no reino de Deus?” Estar próximo do reino não basta.[15]

O escritor Craig Evans comenta:

O amor que as Escrituras e Jesus nos mandam ter não é simplesmente uma emoção (embora frequentemente também exista essa parte). É um compromisso e uma lealdade que se manifestarão em obediência à vontade de Deus, respeito pelo próximo e, quando necessário, também em assistência. O valor mais elevado da Lei não é o sacrifício... mas a lealdade a Deus e compaixão pelos seres humanos.[16]


Nota

A menos que indicado o contrário, todas as referências às Escrituras foram extraídas da “Bíblia Sagrada” — Tradução de João Ferreira de Almeida — Edição Contemporânea, Copyright © 2001, por Editora Vida.


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[1] Mateus 22:35–40, Lucas 10:25–29, Marcos 12:28–34.

[2] Marcos 12:12–17.

[3] Marcos 12:18–27.

[4] Marcos 12:28.

[5] Marcos 2:6–7.

[6] Marcos 3:22.

[7] Mateus 5:19.

[8] Mateus 23:23.

[9] Marcos 12:29–30.

[10] Mateus 22:38.

[11] Marcos 12:31.

[12] Stein, Mark, 562.

[13] Marcos 12:32–33.

[14] Marcos 12:34.

[15] Stein, Mark, 564.

[16] Evans, World Biblical Commentary, 267.