O Livro de 1 Coríntios: Introdução

Fevereiro 14, 2024

por Peter Amsterdam

A cidade de Corinto, situada em uma estreita ponte terrestre entre a região do Peloponeso e a porção continental da Grécia, era uma cidade próspera na época de Paulo devido à sua localização e portos. A cidade de Cencreia, cerca de dez quilômetros a leste, era a porta para a Ásia; Lequeão, a pouco mais de três quilômetros ao norte no Golfo de Corinto, estava no caminho para a República Romana, na atual Itália. Uma trilha de seis quilômetros e meio cortada na rocha em 600 a.C., ligava as duas cidades portuárias de Cencreia e Lequeão, o que permitia o transporte de carga e até mesmo pequenos navios podiam ser rebocados sobre o istmo. Essa rota permitia que as embarcações evitassem a perigosa jornada marítima ao redor do cabo do Peloponeso. Corinto era um cruzamento natural tanto para viagens terrestres quanto marítimas.

Corinto havia se tornado a principal cidade da Liga Aqueia, uma confederação de cidades-estados gregas. Recusou-se a se submeter quando Roma exigiu que a Liga Aqueia fosse dissolvida. Como resultado, o exército romano saqueou e incendiou Corinto. Os homens da cidade foram mortos, as mulheres e crianças foram vendidas como escravas. A cidade permaneceu desolada e desabitada por 102 anos após essa derrota.

Em 44 a.C., Júlio César decidiu estabelecer uma colônia romana no local, uma prática do império para lidar com o problema do superlotação em Roma e difundir a civilização romana. A antiga cidade gozava de boa localização para o comércio e tinha em suas montanhas uma defesa natural, abundância de nascentes de água e dois portos para o comércio com o Oriente e com o Ocidente. Construída sobre as ruínas da antiga, a nova cidade foi, por determinação de César, colonizada por membros da “classe dos libertos” — ex-escravos que detinham uma forma limitada de cidadania romana. Apesar das restrições de ascensão social, muitos libertos se tornaram muito ricos e alcançaram posições de destaque.

Em pouco tempo, a cidade que estava em ruínas enriqueceu. Na época de Paulo, Corinto era conhecida por sua riqueza e exuberância. Sua reconstrução possibilitou aos libertos e aos seus herdeiros enriquecerem por meio de empreendimentos comerciais. Essas oportunidades atraíram colonos de todo o Império Romano que buscavam ascensão socioeconômica.

A população de Corinto se tornou um misto de libertos romanos, cidadãos gregos e imigrantes de todos os lugares. É provável que judeus da Palestina estivessem entre aqueles que migraram para lá e conviviam bem com a comunidade mais ampla. Embora Corinto tivesse uma população diversificada, era influenciada por Roma, e seu povo se considerava romano. Um autor explica: A Corinto que Paulo conheceu estava geograficamente na Grécia, mas, culturalmente em Roma.1 A arquitetura coríntia e o design da cidade imitavam Roma, assim como o templo dedicado ao imperador. Muitas das inscrições encontradas nas escavações em Corinto eram em latim, em vez de grego.

A cada dois anos, a cidade sediava os Jogos Ístmicos, o que atraía muitas pessoas de longe e aumenta a atividade comercial na cidade. Parece que esses jogos podem ter ocorrido enquanto Paulo estava lá, já que ele se refere a uma corrida que é realizada e aos atletas exercendo autocontrole. Durante o tempo de Paulo, a cidade cresceu em riqueza e poder e, portanto, era um lugar importante para estabelecer a igreja. A partir dali, outros se tornariam crentes e se juntariam à missão de disseminar o evangelho por todos os cantos.

Sendo cidade portuária, Corinto era conhecida por sua imoralidade. Seu nome se tornou sinônimo de promiscuidade sexual e ser um “corintiasta” significava ser libertino ou degenerado. De acordo com as correspondências de Paulo, a imoralidade era um assunto sério em Corinto. Um autor escreve: O pecado sexual certamente abundava ali; mas isso era típico nas cidades portuárias marítimas, onde havia grande circulação de dinheiro, mulheres e homens disponíveis.2

O ministério de Paulo em Corinto

Em Atos 18:11, lemos que Paulo permaneceu em Corinto por 18 meses. Provavelmente, essa longa permanência se deu porque a cidade era um importante destino para comerciantes, viajantes e turistas e, portanto, ideal para espalhar a mensagem. Alguns dos que visitavam ou imigravam para Corinto se mostravam abertos à mensagem paulina. No tempo que lá esteve, o apóstolo fabricou tendas para garantir seu sustento, provavelmente para atender à demanda impulsionada pelo influxo de visitantes que durante os jogos que buscavam abrigo, para fornecer toldos para comerciantes e lona para navios mercantes.

A alta taxa de imigração de pessoas livres e escravizadas, provavelmente tornou a população da cidade mais aberta a algo novo como era a mensagem do evangelho. As pessoas estariam buscando novos laços, já que muitos delas haviam se mudado de suas cidades ou países anteriores e eram desconhecidas, vivendo anonimamente em uma cidade grande.

Paulo escreveu quatro cartas aos coríntios. A primeira foi escrita de Éfeso e foi enviada a Corinto com Apolo. Esta carta já não existe, então não conhecemos seu conteúdo. A segunda carta de Paulo aos coríntios (que é a nossa 1 Coríntios) foi escrita também em Éfeso, em 55 ou 56 d.C. Pouco depois desta segunda carta, Paulo fez uma segunda visita à cidade, que ele chamou de “visita que causasse tristeza”.3 Alguns meses depois, enviou Tito para entregar sua terceira carta a Corinto (que, assim como a primeira, foi perdida para a história). Esta foi uma carta de “grande aflição” na qual ele implorou aos coríntios que mudassem seu comportamento.4 Tito relatou que a congregação reagiu bem. A quarta carta de Paulo a Corinto foi escrita aproximadamente um ano após sua segunda carta. É o que conhecemos como 2 Coríntios.

1 Coríntios

Paulo, chamado para ser apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus, e o irmão Sóstenes…5

Paulo começa esta carta se identificando como um apóstolo de Jesus Cristo pelo chamado de Deus. Um coautor desta carta foi Sóstenes, embora após os primeiros três versículos, Paulo use a primeira pessoa do singular e fica claro que Paulo está escrevendo, ou pelo menos ditando. Ele se descreve como chamado por Deus para ser “um apóstolo”.

A maioria das cartas de Paulo (exceto Filipenses e Filemom) começa com uma afirmação de sua autoridade. Aqui ele enfatiza que é um apóstolo de Cristo Jesus. No Novo Testamento, um apóstolo geralmente se refere àqueles que foram originalmente escolhidos por Jesus como discípulos e a apenas alguns outros.6 Os apóstolos eram testemunhas oculares do Cristo ressuscitado. Eles foram especialmente chamados por Deus para se tornarem testemunhas oficiais da ressurreição de Jesus e foram comissionados por Ele para espalhar o evangelho. Paulo foi chamado por meio da visão do Cristo ressuscitado na estrada de Damasco.7

Sóstenes não é chamado de apóstolo, mas, por ser chamado de “irmão”, é provável que fosse conhecido pelos coríntios. É possível que fosse o líder da sinagoga em Corinto quando Paulo estava pregando o evangelho na cidade. Em Atos nós lemos: Então todos se voltaram contra Sóstenes, o chefe da sinagoga, e o espancaram diante do tribunal.8 É possível que Sóstenes trabalhasse com Paulo na época em que a carta foi escrita e a tenha levado coríntios.

A referência de Paulo a si mesmo como alguém chamado para ser apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus. Também afirma que seu chamado é central aos planos e propósitos de Deus. Ele deixa claro que não se tornou um apóstolo por suas próprias ações ou desejos, mas porque Deus quis que a mensagem de Jesus fosse entregue por meio dos apóstolos. Ao longo desta carta, Paulo retorna ao tema da autoridade apostólica.

À igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus e chamados para serem santos, com todos os que, em toda parte, invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso.9

Paulo identifica os destinatários da carta e os saúda. Ele está escrevendo para a igreja de Deus. Logo no início, lembra aos destinatários que eles são a igreja de Deus, o que enfatiza que a igreja não pertence a nenhum de seus grupos ou líderes, mas a Deus. Mais tarde, nesta carta, Paulo enfatiza esse fato, repetindo “de Deus” oito vezes.

Ao se dirigir à “igreja” como um coletivo, Paulo fala a todas as pessoas que compõem a igreja em Corinto. A designação do povo de Deus como “santificado” remete ao povo de Israel, chamado por Deus para ser uma “nação santa”. O fenômeno que ocorreu “em Cristo Jesus” resulta em uma nova comunidade formada por indivíduos que devem ser “santos”, pois foram “chamados para serem santos”.

Portanto, Paulo afirma que escreve para aqueles que são chamados para ser santos. Lembra aos coríntios que, assim como ele fora escolhido para ser um apóstolo, Deus os chamara para um papel específico, para o qual devem refletir a santidade em suas vidas e na comunidade. Mais à frente, nesta carta, Paulo dará atenção ainda maior à necessidade de os crentes se comportarem como pessoas santas.

A vocês, graça e paz da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo.10

Tendo identificado aqueles aos quais a carta é enviada, Paulo os saúda com “graça e paz”. Na saudação que combina desejo e oração, a graça e a paz são invocadas aos destinatários da epístola. “Graça” é uma palavra importante para os crentes. Nos textos paulinos, resume todo o cuidado de Deus por Seu povo e por tudo o que os crentes recebem de Deus e de Cristo - especialmente a salvação. A palavra "graça" em inglês é geralmente entendida como referindo-se à misericórdia e perdão não merecidos de Deus para a humanidade pecadora que vem do Seu amor.

Paulo inclui a palavra “paz” nas saudações em todas as suas cartas e, em várias delas, também no fim. A paz resume as bênçãos de se tornar parte do povo de Deus. Encapsula a bênção do pacto de Deus e portanto isso é muito mais do que uma oração para que os coríntios se sintam em paz. Inclui a paz com Deus como resultado da salvação. A oração-desejo de Paulo é que os coríntios vivenciem diariamente Cristo, como Aquele que os leva ao Pai.

(Continua.)


Nota

A menos que indicado o contrário, todas as referências às Escrituras foram extraídas da “Bíblia Sagrada” — Tradução NVI.


1 David E. Garland, 1 Corinthians (Grand Rapids: Baker Academic, 2003), 3.

2 Gordon D. Fee, The First Epistle to the Corinthians (Grand Rapids: Eerdmans, 2014), 3.

3 2 Coríntios 2:1–2.

4 2 Coríntios 2:3–9, 7:6–15.

5 1 Coríntios 1:1.

6 Marcos 3:14–15.

7 Atos 9:1 –7, 1 Coríntios 9:1, Gálatas 1:12.

8 Atos 18:17.

9 1 Coríntios 1:2.

10 1 Coríntios 1:3.